As queixas da Polícia Civil
Se os números citados pelo presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, Sérgio Marques Roque, ao criticar a política salarial do governo paulista para o setor, estiverem certos, é realmente preocupante a situação atual da Polícia Civil de São Paulo. Em entrevista publicada pelo Estado nessa segunda-feira, ele afirmou que cerca de 90% dos investigadores da Secretaria da Segurança Pública exercem outra profissão para completar a renda. É por isso, segundo ele, que a atividade policial tende a se converter em “bico”, comprometendo a segurança da população.
Na semana passada, investigadores e delegados fizeram uma greve parcial de 40 horas, acusando o governo estadual de tratá-los a pão e água, pedindo aumento real e reivindicando a correção das aposentadorias. Os delegados alegam que seus vencimentos sofreram uma desvalorização de 58% nos últimos cinco anos, e que não receberam qualquer reajuste em 2006 e 2007. Os investigadores alegam não ter aumento real há 14 anos.
Além da greve de advertência, as duas categorias, integradas por servidores estatutários, entraram com um pedido de negociação no Tribunal Regional do Trabalho (TRT), o que é inédito. Isso só foi possível porque há quase um ano o Supremo Tribunal Federal mandou aplicar à administração pública a mesma legislação que disciplina as greves da iniciativa privada, até que o Congresso regulamente o direito de greve do funcionalismo público.
A exemplo dos sindicatos de delegados e investigadores paulistas, outras entidades sindicais do funcionalismo público descobriram nessa decisão do Supremo a brecha jurídica que lhes permite levar questões salariais para a Justiça do Trabalho. Graças a essa estratégia, uma vez aceito o pedido de negociação pelo TRT, o Executivo é obrigado a se manifestar formalmente. Esse foi um dos motivos que levaram a Secretaria da Segurança Pública a divulgar, no final da semana passada, uma nota refutando os números da Associação dos Delegados de Polícia de São Paulo. A nota informa que o governador José Serra “nunca evitou o diálogo”, que as autoridades estaduais já realizaram sete reuniões este ano com entidades representativas da Polícia Civil e que os 125 mil policiais civis, militares e técnico-científicos receberam um aumento médio de 23,43% em 2007. “O menor salário de investigador subiu de R$ 444,64 para R$ 1.757,82, um aumento real de 57,79%”, diz o documento.
Investigadores e delegados dizem que a informação é incorreta e que o aumento foi concedido a título de gratificação, não sendo extensivo a aposentados e pensionistas. Eles também alegam que o governo vem investindo proporcionalmente muito mais na Polícia Militar do que na Polícia Civil. Citando um estudo do Instituto São Paulo Contra a Violência, uma conceituada ONG do setor, o delegado Sérgio Marcos Roque afirma que, por falta de recursos e condições de trabalho, apenas 5% das ocorrências policiais são investigadas. “Não dá para mascarar. Suponhamos que a pessoa vá ao distrito policial à noite. Tem lá um delegado, um escrivão e dois investigadores. A pessoa diz que a casa foi furtada ou roubada. A lei manda que o delegado se desloque para o local e colha todos os vestígios do crime, junto com a perícia. Só que o delegado não pode sair da unidade”, conclui.
A nota oficial do governo rebate essas críticas, lembrando que as estatísticas da Secretaria da Segurança Pública têm registrado um acentuado declínio em quase todos os índices de criminalidade. “Ele (o delegado Sérgio Roque) parece acreditar que quanto menos a polícia investiga, mais esclarece crimes. Será por falta de investigação que a Polícia Civil recuperou os quadros do Masp e da Pinacoteca em tempo recorde, além de ter esclarecido o caso Isabella?”, diz a nota.
Esse é o tipo de polêmica em que os dois lados podem ter razão. De fato, os números mostram que aumentou a eficiência da polícia no combate à criminalidade. Mas os vencimentos dos delegados e investigadores paulistas estão muito abaixo daqueles que são pagos pela Polícia Federal e por outros órgãos policiais no resto do País.