Quinta, 17 de julho de 2008, 13h38 Atualizada às 14h44
Ives: não há irregularidade em troca de e-mails
Elza Fiúza/Agência Brasil
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, que teve o nome citado em troca de e-mails entre advogados do banqueiro Daniel Dantas
Raphael Prado
A troca de e-mails entre advogados do banqueiro Daniel Dantas, articulando para que o pedido de habeas corpus de seu cliente cheguasse ao Supremo Tribunal Federal durante o plantão do presidente da Corte, Gilmar Mendes, não tem nada de irregular. A visão é do jurista Ives Gandra Martins:
– Isso, em nível de estratégia de advocacia, eu não vejo mal nenhum. Porque eles não estão fazendo nada de ilegal. Podem entrar antes ou podem entrar depois (com o pedido).
A revelação da troca de e-mails entre os advogados foi publicada na edição desta quinta-feira, 17, do jornal Folha de S.Paulo. Nesta entrevista a Terra Magazine, o jurista critica o que chama de “efeitos ‘spielbergianos'”. Ele se refere ao mestre dos efeitos especiais de Hollywood, Steven Spielberg.
– A partir de agora, qualquer estratégia de advocacia, qualquer contato de um advogado com um ministro, com um juiz… o cidadão não pode mais ter contato nenhum para demonstrar os argumentos que estão na petição! Isso não existe na advocacia no mundo inteiro e nem na história da advocacia!
Leia os principais trechos da entrevista do jurista:
Terra Magazine – Qual é a avaliação que o senhor faz da atuação do ministro Gilmar Mendes e do juiz Fausto De Sanctis nesse caso?Ives Gandra Martins – Eu não avalio senão os elementos externos que foram apresentados pela imprensa. Mas me parece que, no caso, o ministro Gilmar Mendes tinha razão. Eu tenho as melhores referências do De Sanctis, mas, no caso concreto ele não permitiu o acesso aos elementos de defesa, mesmo depois de ter decretado a prisão. O primeiro pedido dos advogados ao ministro Gilmar Mendes foi para que o juiz liberasse os elementos de acusação que a imprensa já tinha mas os advogados de defesa não tinham. A Constituição declara que a ampla defesa tem que existir desde o início. No momento em que negou esse acesso, houve uma violência ao direito de defesa. E quando o ministro verificou que não havia senão suspeitas por gravações telefônicas de meses, mandou soltar. O que ocorreu foi que em seguida, o juiz partiu para uma prisão preventiva. O ministro entendeu que era uma forma de driblar a decisão e, portanto, contestar o Supremo Tribunal Federal. O próprio juiz, quando declarou na manifestação com seus colegas, que ele está a serviço do povo… na verdade ele está a serviço do Direito, da Constituição. Quem está a serviço do povo são os deputados, senadores, o presidente da República. O Estado está a serviço do Direito. E, nesse caso, o ministro Gilmar Mendes tem toda razão.
Os advogados de Daniel Dantas, inclusive, pediram para afastar o juiz De Sanctis do caso, argumentando que ele já tem uma opinião pré-concebida.Um juiz de Estado não tem que avançar opiniões. O Estado decide nos autos. Ele não tem que dar entrevistas. Eu até cito Moreira Alves, o mais importante magistrado do Supremo Tribunal Federal em toda a segunda metade do século passado. Ele só falava nos autos. E ele dizia a seus alunos: “O político fala para a imprensa, o magistrado fala nos autos”. Mas eu estou convencido que esse debate foi muito bom. Primeiro porque se percebe que há um abuso, evidentemente, dos efeitos ‘spielbergianos’ nas operações. A melhor forma de se tirar o direito de defesa é desfigurar a imagem da pessoa perante o povo. Cada vez que há uma operação cinematográfica, nesse momento, o povo que não conhece Direito já pensa: “pô, esse é um safado, um malandro, um culpado”. E existe também o direito de privacidade. E essas operações jogam a população contra o acusado, que já entra com menos condições de defesa. Além disso, a prisão para um interrogatório não tem nenhum sentido. E esse incidente entre o Gilmar e o De Sanctis vai permitir agora uma legislação punindo os abusos. Porque o sujeito diz: “eu sei que ele é criminoso, então eu vou fazer tudo que é contra a lei, para que pro meu fim eu possa usar qualquer meio”. Não é verdade. Isso se tem na ditadura, mas não na democracia.
Mas para se chegar a esse debate todo, que o senhor concluiu que é positivo, foi preciso que a operação tivesse acontecido dessa forma, que acusam de “espetacularizada”…O debate já estava se colocando. Não é só essa operação, várias outras foram feitas dessa forma. E em muitas delas, o sujeito foi preso e depois não teve nem denúncia. O que significa que aquilo foi absolutamente inútil. É que no Brasil, nós temos um medo enorme de se processar autoridade. Existe um medo de que, se fizer, vai haver retaliação por parte do poder. Quem é que vai enfrentar a Polícia Federal, o poder Judiciário? Um pobre cidadão? E o que diferencia uma ditadura do Estado democrático é o direito de defesa. Eu sempre falo dessa importância, também com advogados independentes, sem serem monitorados, com telefones censurados, com operações cinematográficas. Porque aí ficam: “Imagina! Um advogado foi distribuir um memorial para um ministro!” É claro! A função do advogado é essa! Eu posso imaginar que um advogado que não fale com um ministro ou um juiz não existe!
Em relação à troca de e-mails entre advogados do Daniel Dantas, tentando articular para que o pedido do habeas corpus caia no STF durante plantão do presidente Gilmar Mendes…Qual é, do ponto de vista de exercício profissional, a irregularidade disso?
Isso é legítimo, faz parte do trabalho do advogado?Eu vejo o seguinte: se eu tenho certeza de que vai haver um ministro no plantão que é um homem capaz de enfrentar as coisas, eu posso atrasar o habeas corpus. Vamos admitir o seguinte, sem pegar o estado concreto, mas qualquer outro caso. Se eu sei que um juiz vai votar contra, mas ele vai entrar em férias… eu vou entrar com o mandado de segurança no momento que aquele juiz vai dar conta ou eu posso esperar um outro que pode analisar de outra forma? Até porque eles não sabiam de que forma o Gilmar ia examinar. Não tinham nenhuma certeza. Apenas sabem que o Gilmar é um cidadão corajoso, que não foge. E mais do que isso: é um profundo conhecedor da Constituição. Talvez seja o maior constitucionalista do Supremo. Ele, Celso de Mello e Carlos Ayres (Brito) são os que têm formação em Direito Constitucional. Então se eu tenho uma questão importante, eu vou dar para um profundo conhecedor, mesmo sem saber como ele vai decidir. Isso, em nível de estratégia de advocacia, eu não vejo mal nenhum. Porque eles não estão fazendo nada de ilegal. Podem entrar antes ou podem entrar depois. E (quanto a esse problema) que eu chamo: a partir de agora, qualquer estratégia de advocacia, qualquer contato de um advogado com um ministro, com um juiz… o cidadão não pode mais ter contato nenhum para demonstrar os argumentos que estão na petição! Isso não existe na advocacia no mundo inteiro e nem na história da advocacia!
Existe precipitação da Polícia Federal em interpretar as informações que intercepta?Eu não faço análise da Polícia, porque ela levanta dados. Ela não julga. Como o policial é um especialista em investigação, mas não no Direito com profundidade, muitas vezes o policial pinçou frases isoladas e viu alguma coisa de ilegal, porque é a função dele, suspeitar, mas cabe a um poder imparcial decidir. Agora, esse poder é que tem que compreender que tem que haver igualdade de condições de ataque, acusação e defesa. E o juiz não pode, ele, já tomar uma posição prévia a favor de uma determinada linha sem ter dado direito de defesa a outra. Mas eu não faço juízo de valor do De Sanctis. Eu sei como eles estão muito preparados tecnicamente. Mas o que é fundamental é que um juiz, quando assume a magistratura, ele esqueça um pouco o seu passado. Se vem do Ministério Público, ele deixou de ser acusador para ser juiz. Se vem da polícia, se era delegado, ele deixou de ser investigador. Se vem da advocacia, ele deixou de ser defensor. Isso leva um certo tempo, de desvestir a roupa anterior. Na avaliação dos candidatos que prestam o concurso, coloca-se muitos casos para saber como ele decidiria aqui ou lá, para ver se ele teria a serenidade e imparcialidade ou se no fundo ia reagir mais emocionalmente, mas como torcedor de futebol, porque era um elemento importante. Agora, quando o juiz passa num concurso como esse, que é massacrante, ele está tecnicamente muito preparado. Mas vai ter que ter o tempo, que vai amadurecê-lo. E eu acho que o nosso sistema não é ruim. Esse debate permitiu principalmente que a Constituição seja aplicada no sentido de eliminação dos efeitos cinematográficos, ‘spielbergianos’ de qualquer operação.
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Resumindo: para o Dr. Gandra os demais Ministros são covardes; além de não conhecerem a Constituição com a mesma profundidade do Ministro Gilmar Mendes.
Ou seja, vale o dito popular: da cabeça de juiz e da bunda de nenê nunca se sabe o que vai sair.
Pois cada Juiz entende a lei de uma forma, isto quando entende da lei.
Ora, a prática mais deletéria no Poder Judiciário – uma das mais antigas – é o direcionamento da distribuição dos feitos.
No sentido de que acabe nas mãos do amigo, do do ex-aluno, do ex-sócio do sócio.
Ou do Juiz ladrão; daqueles que vendem liminares.
E pouco – ou nada – diz respeito ao posicionamento doutrinário do magistrado.
Na verdade a distribuição significa causa ganha…
A decisão, muitas vezes, já esta pronta ; na Gaveta mesmo!