Gravações mostram tentativa de suborno a delegado da Polícia Federal
Humberto Braz, que aparece nas imagens, se entregou à PF no domingo (13). Nas gravações, há referências a ele como o ‘braço direito’ de Daniel Dantas.
Do G1, com informações do Jornal Nacional
Gravações de conversas telefônicas feitas pela Polícia Federal, reveladas nesta segunda-feira (14) com exclusividade pelo “Jornal Nacional”, mostram como dois investigados na Operação Satiagraha tentaram corromper um delegado para livrar o banqueiro Daniel Dantas das acusações de crimes financeiros e de lavagem de dinheiro.
De todos os envolvidos, o único que era considerado foragido se apresentou às autoridades em São Paulo. No Centro de Detenção Provisória de Guarulhos (CDP), na Grande São Paulo, está preso Humberto José da Rocha Braz, assessor de Daniel Dantas e ex-presidente da Brasil Telecom. Procurado desde a semana passada quando teve a prisão preventiva decretada por corrupção, Humberto Braz – o Guga – se entregou no domingo à noite (13), na sede da Polícia Federal, em São Paulo.
Negociação
Humberto e o amigo Hugo Chicaroni, professor universitário, foram flagrados em encontros e telefonemas oferecendo propina para o delegado federal Victor Hugo Rodrigues Alves – toda a negociação foi monitorada com autorização da Justiça. Em uma das gravações obtidas com exclusividade, Hugo comenta com o delegado sobre o papel de Humberto nos negócios do banqueiro Dantas. Hugo Chicaroni: – Hoje ele é o braço direito do Daniel. Delegado: – E ele é de confiança mesmo? Hugo Chicaroni: – Pode ficar sossegado. Em São Paulo, Hugo Chicaroni e Humberto Braz tentaram manipular a investigação, segundo a polícia. O objetivo: deixar de fora o banqueiro Daniel Dantas e parentes dele. É o que indicam as gravações. Hugo Chicaroni: – A história de só livrar três tá bom, tá ótimo. Delegado: – Isso é importante, porque quanto menos puder… Precisa saber exatamente o que é. Não dá pra fazer milagre. Hugo Chicaroni: – São as pessoas que trabalham com ele até onde eu sei. É o Daniel, a irmã e o filho…
Justiça Federal de SP
As interceptações mostram ainda que, segundo Chicaroni, o banqueiro estava preocupado com a Justiça Federal em São Paulo, onde corre a investigação contra ele por crimes financeiros e lavagem de dinheiro. Hugo Chicaroni: – Ele se preocupa com hoje, com hoje. Lá pra cima, o que vai acontecer lá… Ele não tá nem aí. Porque ele resolve. Delegado: – Tá tudo controlado. Hugo Chicaroni: – Ele resolve. STJ e STF… ele resolve. O cara tem trânsito político ferrado. Hugo Chicaroni se refere ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), as mais altas cortes do judiciário brasileiro. As conversas também falam em propina. Hugo transmite ao delegado a oferta de suborno proposta, segundo ele, por Daniel Dantas e oferecida por Humberto Braz, assessor do banqueiro. Hugo Chicaroni: – Ele falou: “Eu tenho 500 mil para tratar desse assunto”. Delegado: – 500 mil? Hugo: – É, 500 mil dólares. Segundo a investigação, do dinheiro mandado por Humberto Braz, parte foi paga 20 dias antes da operação policial que levou os envolvidos para a cadeia, como mostra uma gravação feita na frente do prédio em que mora Hugo Chicaroni. Hugo Chicaroni: – Tá na mão. Delegado: – Então tá certo, não vamos nem conferir. Hugo Chicaroni – Não. Eu não conferi. Esses pacotinhos ele me entregou em sacos de supermercado. Eu só pus dentro de uma outra sacola e botei aqui. Delegado: – Quantos pacotes tem? Hugo Chicaroni: – São cinqüenta… Dá dez pacotes.
US$ 1 milhão
Além do pagamento em parcelas, o valor do suborno dobrou de US$ 500 mil para US$ 1 milhão. É o que apontam as gravações no segundo encontro em São Paulo entre os dois homens que diziam representar o banqueiro Daniel Dantas e o delegado federal. Foi nessa segunda conversa também que o delegado Victor Hugo Rodrigues Alves apresentou documentos sobre o o banqueiro. Fotos e fichas cadastrais de Dantas foram mostradas durante um almoço em que o assunto era propina. As filmagens mostram o exato momento em que Humberto Braz troca de lugar com Hugo Chicaroni para analisar melhor os documentos. Delegado: – Pode ver com calma que eu não vou poder deixar com vocês esses documentos. Tem sonegação, tem lavagem, tem evasão de divisa, tem outros crimes contra o centro financeiro, gestão fraudulenta. São vários crimes. Uma investigação dessas sempre começa pequena e cresce. Logo em seguida, o assunto passa a ser propina. Hugo Chicaroni fala em US$ 1 milhão. Hugo Chicaroni: – Já que ele já ofereceu 500 mil, pede 1 milhão de dólares. Pra ele chegar em 700, 800.Em relatório encaminhado para a Justiça, o delegado conta que Humberto Braz, assessor do banqueiro, reafirmou que o suborno de US$ 1 milhão não seria problema e que ele já estaria autorizado por Daniel Dantas para fazer o pagamento. As conversas também flagram mais uma parcela da propina. Quase R$ 80 mil ao delegado federal na garagem do prédio de Hugo Chicaroni. Delegado: – Isso é dólares também? Hugo Chicaroni – Não, não, não. Isso é em reais.
Delegado: – Tá.
Segundo a polícia, a maior parte da propina foi apreendida no dia da prisão de Chicaroni, na semana passada. No apartamento dele, os policiais encontraram R$ 1,28 milhão em dinheiro vivo.
Nahas e Dantas
De acordo com as investigações, quem ajudou a levantar esse dinheiro foi o empresário Naji Nahas, preso na mesma operação semana passada. As interceptações captaram telefonemas entre Nahas e o banqueiro Daniel Dantas, mas na conversa não há referência explícita a dinheiro. Daniel Dantas: – Oi Naji, alô… Naji Nahas: – Você anda sumido… Daniel Dantas: – Você está no Brasil ou está fora? Naji Nahas: – Não… Estou em são Paulo… Daniel Dantas: – Ah… Tá em São Paulo… Ah tá bom. Então eu vou pedir pra te procurar aí, tá bom? Naji: – Tá bom. Fotos tiradas pela polícia em maio mostram Humberto Braz saindo do escritório de Naji Nahas, na zona sul de São Paulo. É o mesmo escritório que sofreu devassa por ordem judicial. As prisões da Operação Satiagraha foram feitas na terça-feira (8). Mas já em 29 de maio, os envolvidos desconfiavam que pelo menos um deles estava sendo seguido. É onde entra um novo personagem, o ex-deputado e advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, do PT de São Paulo. Ele foi contratado por Daniel Dantas como consultor. O ex-deputado também chegou a ter a prisão pedida pela Polícia Federal, mas o pedido foi negado pela Justiça.
Gabinete da Presidência
As interceptações revelam um telefonema de Greenhalgh para o chefe de gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho. O ex-deputado queria saber se a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) estava seguindo Humberto Braz no Rio. Na conversa aparece o nome de Luiz Fernando, que seria o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa. Segundo o monitoramento dos delegados, o telefonema aconteceu às 18h do dia 29 de maio. Gilberto Carvalho: – O general me deu o retorno agora, é o seguinte: não há nenhuma pessoa designada na presidência na Abin com esse nome. A placa do carro não existe, é fria, tá? Eles aqui acham que a única alternativa é que tenha sido caso de falsificarem documento. Eles não consideram possível que seja da Abin. Eu não falei com o Luiz Fernando ainda, mas não tem jeito. A Polícia Federal não usa a PM, eles não se misturam de jeito nenhum, tá? Então eu acho que o mais provável é que o cara tava armando mesmo alguma coisa, mas com documento falso, que também no Rio é muito comum, porque daqui não tem, eu pedi, insisti, pedi que visse com máximo cuidado, tal. Greenhalgh: – Seria bom dar um toque no Luiz Fernando também, hein? Gilberto: – Eu vou dar, eu vou dar. Amanhã cedo eu tenho que falar com ele, vou levantar isso para ele também. Greenhalgh: – Tá, tá bom. Tem um delegado chamado Protógenes Queiroz que parece que é um cara meio descontrolado, viu? Gilberto: – Ah é? Greenhalgh: – É. Gilberto: – Ele tá onde, o Protógenes agora? Greenhalgh: – Tá aí, aí em Brasília. Gilberto: – Ah, aqui em Brasília. Protógenes Queiroz é o delegado que comanda a investigação contra o grupo de Daniel Dantas.
Outro lado
Sobre as conversas telefônicas, a assessoria do Palácio do Planalto respondeu: “Este ano, o chefe de gabinete da Presidência recebeu o ex-deputado Greenhalgh três vezes em audiências no Palácio.” Mais tarde, o próprio Gilberto Carvalho se manifestou. Em nota, ele confirma que no dia 28 de maio foi consultado por Greenhalgh sobre uma perseguição a um cliente seu – Humberto Braz -, que até então desconhecia. O motorista do carro que perseguia Braz teria se identificado como tenente da Polícia Militar e exibido documentos que diziam estar a serviço da Presidência da República. Gilberto Carvalho diz ainda na nota que confirmou para Greenhalgh que o tenente está credenciado na Presidência, mas o trabalho que fazia nada tinha a ver com Braz. Por fim, Gilberto Carvalho afirma que não fez contato algum com o Ministério da Justiça nem com a direção ou qualquer integrante da Polícia Federal. Em nota, o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh disse que não houve ilegalidade – e reafirmou que hoje atua como advogado do banqueiro Daniel Dantas. Greenhalgh criticou a divulgação do conteúdo de conversas telefônicas. O advogado Nélio Machado, que também defende Daniel Dantas, disse, por meio de seu escritório, que só pode comentar a acusação de tentativa de suborno depois de tomar ciência dos detalhes do processo. A Polícia Federal tem declarado que o diretor-geral do órgão, Luiz Fernando Corrêa, não foi procurado por Gilberto Carvalho para discutir qualquer investigação.