A PRIMAVERA DE PRAGA… 1968
Eu iria completar seis anos, um irmão quatro e o pequeno dois.
Morávamos no Bom Retiro; a nossa casa, embora antiga, era espaçosa o suficiente pra eu acreditar morássemos numa mansão.
E diga-se, a casa foi presente do meu avô materno.
E diga-se, a casa foi presente do meu avô materno.
Nela minha mãe – cercada de memórias – permaneceu até o último dos seus dias.
Certa manhã presenciei os meus pais conversando; falava-lhe: Rachel, nós não iremos a nenhuma festa!
Peça-lhe desculpas!
Invente qualquer coisa e mande um presente para a menina, mas não quero quaisquer proximidades com esse Sérgio.
É suficiente o convívio profissional.
Aliás, ele faz coisas muito erradas.
Eu não me misturaria com esse tipo de gente se não fosse obrigado.
Estou pensando em arrumar outro emprego, inclusive.
Os militares confundiram os acontecimentos e as pessoas.
Estão perseguindo a juventude e religiosos; eu tenho medo que por aqui se faça uma primavera de Praga.
Invente qualquer coisa e mande um presente para a menina, mas não quero quaisquer proximidades com esse Sérgio.
É suficiente o convívio profissional.
Aliás, ele faz coisas muito erradas.
Eu não me misturaria com esse tipo de gente se não fosse obrigado.
Estou pensando em arrumar outro emprego, inclusive.
Os militares confundiram os acontecimentos e as pessoas.
Estão perseguindo a juventude e religiosos; eu tenho medo que por aqui se faça uma primavera de Praga.
Se algo assim acontecer muitos estudantes irão morrer ou serão presos injustamente.
Eu não quero participar de perseguições políticas.
E não consigo colocar freios na escumalha que colocaram lá Ordem Social.
Você bem sabe que eu abracei a carreira noutra época; pelo convite do Desembargador Mello.
Hoje não posso advogar como outrora, também não posso me aventurar com três filhos pequenos.
E não podemos viver dependentes da generosidade do teu pai.
Não importa seja ele muito rico.
Não sou orgulhoso, mas não quero favores do meu sogro.
A coisa vai tão mal que, agora, qualquer um “vira” Delegado.
E lhe digo “vira”, pois muitos são despreparados.
O doutor Meirelles está sendo ludibriado, pois as fraudes não ocorrem durante as provas.
Você bem sabe que eu abracei a carreira noutra época; pelo convite do Desembargador Mello.
Hoje não posso advogar como outrora, também não posso me aventurar com três filhos pequenos.
E não podemos viver dependentes da generosidade do teu pai.
Não importa seja ele muito rico.
Não sou orgulhoso, mas não quero favores do meu sogro.
A coisa vai tão mal que, agora, qualquer um “vira” Delegado.
E lhe digo “vira”, pois muitos são despreparados.
O doutor Meirelles está sendo ludibriado, pois as fraudes não ocorrem durante as provas.
A fraude está sendo praticada em esferas superiores; mediante a alteração das listas de aprovados encaminhadas para publicação no Diário Oficial.
Até se duvida dos diplomas usados para aprovação nos últimos concursos.
Na verdade a Ditadura está dando título de doutor pra bate-paus.
Falam até em unir ao Dops, militares do Exército e da PM.
Se já não fosse bastante tolerar o monturo da guarda-civil e tiras truculentos.
Até se duvida dos diplomas usados para aprovação nos últimos concursos.
Na verdade a Ditadura está dando título de doutor pra bate-paus.
Falam até em unir ao Dops, militares do Exército e da PM.
Se já não fosse bastante tolerar o monturo da guarda-civil e tiras truculentos.
Muitos investigadores estão deixando a função policial, pois desqualificaram os quadros.
Alguns conseguiram colar grau, mas optaram pela advocacia.
Não querem a carreira de Delegado.
Há quem voltou para o magistério; até abrindo escolas particulares.
Nem sequer para registro de uma ocorrência de furto de carteira colocarão os pés numa Delegacia.
Essa onda de assassinatos atribuídos a gente da Polícia nos desmoraliza.
Logo – pelo andar da carruagem – os bons funcionários terão vergonha dos vizinhos e até dos próprios familiares.
E Rachel; esse Sérgio, antes de virar Delegado, era dessa patota.
Ela é tua amiga; sei que é uma boa mulher.
Mas dele total distância é pouco!
A PRAGA DA PRIMAVERA – 1969.
Eu acredito que o meu pai não dava conta de que com quase seis anos eu já compreendia alguma coisa.
Passei a compreender melhor o diálogo ao longo dos anos.
Foi o primeiro e último, sobre o seu trabalho, por mim presenciado.
Depois dessa conversa, por mais de um ano, o meu pai pouco pararia em casa.
Era chamado a todo instante.
E, rotineiramente, pessoas o procuravam a qualquer hora do dia ou da noite.
Algumas vezes percebia que choravam.
Alguns conseguiram colar grau, mas optaram pela advocacia.
Não querem a carreira de Delegado.
Há quem voltou para o magistério; até abrindo escolas particulares.
Nem sequer para registro de uma ocorrência de furto de carteira colocarão os pés numa Delegacia.
Essa onda de assassinatos atribuídos a gente da Polícia nos desmoraliza.
Logo – pelo andar da carruagem – os bons funcionários terão vergonha dos vizinhos e até dos próprios familiares.
E Rachel; esse Sérgio, antes de virar Delegado, era dessa patota.
Ela é tua amiga; sei que é uma boa mulher.
Mas dele total distância é pouco!
A PRAGA DA PRIMAVERA – 1969.
Eu acredito que o meu pai não dava conta de que com quase seis anos eu já compreendia alguma coisa.
Passei a compreender melhor o diálogo ao longo dos anos.
Foi o primeiro e último, sobre o seu trabalho, por mim presenciado.
Depois dessa conversa, por mais de um ano, o meu pai pouco pararia em casa.
Era chamado a todo instante.
E, rotineiramente, pessoas o procuravam a qualquer hora do dia ou da noite.
Algumas vezes percebia que choravam.
Até que numa noite ouvi um grito de desespero da minha mãe.
Pelo telefone lhe deram a notícia de meu pai estar no hospital.
Pelo telefone lhe deram a notícia de meu pai estar no hospital.
Fora baleado por um terrorista.
Naquele instante o cérebro infantil lembrou-se da primavera.
Teria sido a tal “praga” da primavera que feriu o meu pai.
Era novembro.
O tratamento foi longo e doloroso; meu pai nunca mais recuperou a alegria.
Daí em diante se tornou introvertido, taciturno.
Alguma coisa parece lhe ferira bem mais do que o tiro.
Meu pai fora baleado na alma.
O tempo iria me revelar quem e os porquês.
Naquele instante o cérebro infantil lembrou-se da primavera.
Teria sido a tal “praga” da primavera que feriu o meu pai.
Era novembro.
O tratamento foi longo e doloroso; meu pai nunca mais recuperou a alegria.
Daí em diante se tornou introvertido, taciturno.
Alguma coisa parece lhe ferira bem mais do que o tiro.
Meu pai fora baleado na alma.
O tempo iria me revelar quem e os porquês.
A única coisa a mim contada – pelo meu avô – foi que meu pai recebeu o ferimento tentando salvar a vida do “homem da capa preta”, um tal de Carlos.
Eu assustado com a estórias de assombração nunca mais toquei no assunto.
