E A DELEGADA AUDREY KANAAN ABANDONA A LUTA CONTRA A CORRUPÇÃO
PERCIVAL DE SOUZA – especial para o “Tribuna”
E X C L U S I V O
DIREITO PENAL
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS — A delegada Audrey Kanaan de Oliveira Sampaio desistiu da Polícia Civil depois de sete anos. Pressionada por colegas, enquanto presidia um inquérito de conteúdo estarrecedor para apurar gravíssimos casos de corrupção, entregou os pontos apesar do sonho de seguir a carreira policial. “Não é compatível com nenhum dos meus ideais.” Mesmo trabalhando na Corregedoria, que deveria ser a polícia da polícia, ela não teve apoio para depurar a instituição. Ao contrário, sofreu perseguições, escárnio e desprezo. “Não dá mais. Cansei. Não foi para isso que entrei na polícia. Chega.” Desiludida, entregou o pedido de exoneração, a carteira funcional, um colete balístico, a arma e disse adeus. A polícia encarou como mero gesto burocrático. Sem maiores perguntas, como se aquela bela loira fosse um grande estorvo. Formada pela USP, ela vai prestar este mês concurso para o Ministério Público.Audrey é casada com o juiz Milton de Oliveira Sampaio Neto, sete anos e meio de Magistratura, titular da 3ª Vara Criminal de São José dos Campos. Ele precisou ir ao Tribunal de Justiça relatar as ameaças que sofreu depois que, investigando mais um caso de corrupção, requisitou uma relação completa de policiais e suas fotos à diretoria da Polícia Civil no Vale do Paraíba, sendo obrigado a fazer uma inspeção, pessoalmente, porque a ordem judicial não estava sendo cumprida. O TJ determinou que a Polícia Militar oferecesse segurança pessoal para ele. Audrey enfrentou um bando de policiais, denunciados e processados por prática reiterada de corrupção, acusados de chegar ao ponto máximo da degradação moral seqüestrando filhos e familiares de presos e ex-condenados para extorqui-los, usando uma dependência policial — a Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes (Dise) — para torturar as vítimas e obter o dinheiro exigido, ameaçando-as de falsos enquadramento por tráfico de drogas. Dentro da Dise policiais que deveriam combater o tráfico extorquiam traficantes, em conluio com advogados igualmente corruptos. Estão envolvidos diretamente investigadores, um delegado e um advogado, num total de 15 pessoas, conforme processo conduzido pelo juiz Eduardo Sugino, da 2ª Vara Criminal de Taubaté. A denúncia é assinada por nove promotores do Gaerco-VP (Grupo de Atuação Especial Regional para a Prevenção e Repressão ao Crime Organizado do Vale do Paraíba).A ex-delegada Audrey Kanaan conta que tudo começou com um comunicado do diretor do Centro de Detenção Provisória do Putim, o maior da região, sobre denúncias de um preso. Ela e mais dois delegados foram ouvi-lo. Constatou-se, gradativamente, a veracidade das acusações: todos falavam a mesma coisa. Parentes apavorados, mesmo sem ter contato uns com os outros e testemunhas, residentes em cidades diferentes como Santos e Pindamonhangaba, prestavam informações convincentes. Coincidentemente, chegou à Corregedoria o resultado de uma investigação sigilosa do Ministério Público, repleta de interceptações telefônicas com revelações devastadoras. Audrey percebeu que se tratava da mesma coisa. Os promotores pediam instauração de inquérito.A delegada Audrey foi destacada para presidi-lo, e a partir daí começaram as suas agruras na polícia. Achou que seria moroso demais ficar mandando cartas precatórias. Passou a tomar depoimentos in loco, desagradando os superiores. “Tive até de dirigir a viatura, porque nem gente para isso tinha”, relata. Diárias para pagamento de refeições, nem pensar. Nada para ela, investigador e escrivão. “Ainda tomei bronca. Diziam que saia para passear e estava atropelando os fatos”, lembra. A delegada resolveu pedir à Justiça sigilo nos autos para preservar as testemunhas. O pedido foi deferido, e para surpresa da delegada, o juiz incluiu a vedação de consulta ao próprio chefe da delegada na Corregedoria, Paulo Roberto Galvão.Todo cuidado seria pouco. Afinal, no endereço da tortura e extorsão (Avenida Rio Branco, 642, Jardim Esplanada, sede da Dise) a piscina era usada para afogamentos. Depois, as vítimas recebiam socos, pontapés, choques e eram colocadas no “pau-de-arara”. Tudo isso descrito pelos promotores do Gaerco-VP.A casa fica fecha-da normalmente nos fins de semana. Os corruptos a ocupavam aos sábados e domingos para torturar e extorquir, mantendo viaturas como cativeiros móveis. Era um cativeiro fixo e base do terror, réplica dos sinistros porões da ditadura militar. Advogados sem escrúpulos aconselhavam as vítimas, em cárcere privado para, de acordo com a narrativa dos promotores, “seguir as orientações dos policiais”. Foram elaborados flagrante de tráfico falsos. “A farsa era completa”, acusam os promotores. “O delegado Mauro de Almeida assinou os atos de polícia judiciária na condição de delegado titular da Dise, mesmo sabendo da absoluta inexistência de indícios da prática dos crimes de tráfico de entorpecentes em associação e de formação de quadrilha por parte das vítimas”, menciona expressamente o Gaerco-VP na denúncia recebida pelo Judiciário. “Fazia-o, portanto, com o intuito de dissimular as ações clandestinas dos seus subordinados”, salienta.Os demais acusados são André Amaral Cecílio, Roberto Sarmento de Figueiredo Lopes Junior, Décio dos Santos, Luiz Gustavo de Oliveira Schemy, José Rubens de Rezende Filho, Marcelo Palmeira, Luiz Fernando Vinhas Junior e Fabiano de Paula Gorgulho. A advogada Marta Pugliesi Rocha dos Santos, mulher do chefe dos investigadores da Dise, também foi denunciada e presa porque, segundo os promotores, teria intermediado extorsões em dinheiro e recebido uma moto, de comum acordo com os policiais. A Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça decidiu, entretanto, no final de setembro, trancar a ação criminal contra ela, que nega — como os outros acusados — participação nos fatos relatados na denúncia. O pedido, em forma de habeas-corpus, foi impetrado pelo advogado Hélio Bialski. O Ministério Público anunciou que vai recorrer da decisão do TJ ao STJ.Diante do sigilo decretado nos autos, Audrey Kanaan, conta que “ia e voltava de casa com o inquérito debaixo do braço”. O Ministério Público pediu, inicialmente, a decretação de oito prisões preventivas. A Justiça atendeu. Ela quis comunicar ao chefe imediatamente. Mas ele não se mostrou interessado. “Estou com dor de cabeça”, justificou. No dia seguinte, porém, quando os promotores foram entregar os mandados em mãos, os policiais procurados haviam desaparecido. O Ministério Público instaurou procedimento para apurar se houve vazamento de informação na própria Corregedoria da Polícia.A via-crúcis de Audrey Kanaan continuou. Ela precisava fazer o reconhecimento formal de policiais e advogados acusados perante as testemunhas, inclusive presos. Tentou arrumar um local adequado para o ritual previsto pelo Código de Processo Penal. Um dos superiores disse a ela que cada um teria de “se virar com a estrutura que tem”. Audrey conformou-se. Decidiu usar outra casa alugada para a polícia, onde fica a Corregedoria. Todos intimados, a chefia de Audrey mudou de repente o ato marcado para o dia seguinte. Ela recorreu ao juiz do caso. Chegou ordem judicial para o reconhecimento no lugar para onde já fora marcado. A delegada usou o pequeno banheiro da casa. Os policiais acusados ficaram no pátio. Cada testemunha subia no vaso sanitário e olhava por pequenos buracos abertos numa caixa de papelão. A delegada subia num banquinho, e fez isso das 9 da manhã ao final da tarde para o auto de reconhecimento. Quando uma das testemunhas saiu do banheiro, um dos policiais olhou para ela, fez sinal com a mão direita como se estivesse cortando a garganta. “Você não perde por esperar”, ameaçou. Audrey instaurou um novo inquérito contra o policial, desta vez por coação. Uma testemunha disse que os policiais “extrapolaram tanto que quebraram até a ética dos bandidos”.Antes de os policiais jogarem a própria dignidade na latrina da Corregedoria, a delegada Audrey teve o dissabor de ver o chefe imediato dela, Paulo Roberto Galvão, recriminá-la perante promotores que participavam das investigações e acompanhavam o caso. “A doutora extrapolou. Não concordo com a forma dela trabalhar. Ela está expondo a gente. Temos que cuidar da nossa vida…”, disse. Audrey não se arrepende do fim da própria carreira. “Antes decidir agora do que engolir isso a vida inteira. Impossível ficar”, conforma-se.
CHEGA!
E a delegada Audrey Kanaan abandona a luta contra a corrupção
DIREITO PENAL
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS — A delegada Audrey Kanaan de Oliveira Sampaio desistiu da Polícia Civil depois de sete anos. Pressionada por colegas, enquanto presidia um inquérito de conteúdo estarrecedor para apurar gravíssimos casos de corrupção, entregou os pontos apesar do sonho de seguir a carreira policial. “Não é compatível com nenhum dos meus ideais.” Mesmo trabalhando na Corregedoria, que deveria ser a polícia da polícia, ela não teve apoio para depurar a instituição. Ao contrário, sofreu perseguições, escárnio e desprezo. “Não dá mais. Cansei. Não foi para isso que entrei na polícia. Chega.” Desiludida, entregou o pedido de exoneração, a carteira funcional, um colete balístico, a arma e disse adeus. A polícia encarou como mero gesto burocrático. Sem maiores perguntas, como se aquela bela loira fosse um grande estorvo. Formada pela USP, ela vai prestar este mês concurso para o Ministério Público.Audrey é casada com o juiz Milton de Oliveira Sampaio Neto, sete anos e meio de Magistratura, titular da 3ª Vara Criminal de São José dos Campos. Ele precisou ir ao Tribunal de Justiça relatar as ameaças que sofreu depois que, investigando mais um caso de corrupção, requisitou uma relação completa de policiais e suas fotos à diretoria da Polícia Civil no Vale do Paraíba, sendo obrigado a fazer uma inspeção, pessoalmente, porque a ordem judicial não estava sendo cumprida. O TJ determinou que a Polícia Militar oferecesse segurança pessoal para ele. Audrey enfrentou um bando de policiais, denunciados e processados por prática reiterada de corrupção, acusados de chegar ao ponto máximo da degradação moral seqüestrando filhos e familiares de presos e ex-condenados para extorqui-los, usando uma dependência policial — a Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes (Dise) — para torturar as vítimas e obter o dinheiro exigido, ameaçando-as de falsos enquadramento por tráfico de drogas. Dentro da Dise policiais que deveriam combater o tráfico extorquiam traficantes, em conluio com advogados igualmente corruptos. Estão envolvidos diretamente investigadores, um delegado e um advogado, num total de 15 pessoas, conforme processo conduzido pelo juiz Eduardo Sugino, da 2ª Vara Criminal de Taubaté. A denúncia é assinada por nove promotores do Gaerco-VP (Grupo de Atuação Especial Regional para a Prevenção e Repressão ao Crime Organizado do Vale do Paraíba).A ex-delegada Audrey Kanaan conta que tudo começou com um comunicado do diretor do Centro de Detenção Provisória do Putim, o maior da região, sobre denúncias de um preso. Ela e mais dois delegados foram ouvi-lo. Constatou-se, gradativamente, a veracidade das acusações: todos falavam a mesma coisa. Parentes apavorados, mesmo sem ter contato uns com os outros e testemunhas, residentes em cidades diferentes como Santos e Pindamonhangaba, prestavam informações convincentes. Coincidentemente, chegou à Corregedoria o resultado de uma investigação sigilosa do Ministério Público, repleta de interceptações telefônicas com revelações devastadoras. Audrey percebeu que se tratava da mesma coisa. Os promotores pediam instauração de inquérito.A delegada Audrey foi destacada para presidi-lo, e a partir daí começaram as suas agruras na polícia. Achou que seria moroso demais ficar mandando cartas precatórias. Passou a tomar depoimentos in loco, desagradando os superiores. “Tive até de dirigir a viatura, porque nem gente para isso tinha”, relata. Diárias para pagamento de refeições, nem pensar. Nada para ela, investigador e escrivão. “Ainda tomei bronca. Diziam que saia para passear e estava atropelando os fatos”, lembra. A delegada resolveu pedir à Justiça sigilo nos autos para preservar as testemunhas. O pedido foi deferido, e para surpresa da delegada, o juiz incluiu a vedação de consulta ao próprio chefe da delegada na Corregedoria, Paulo Roberto Galvão.Todo cuidado seria pouco. Afinal, no endereço da tortura e extorsão (Avenida Rio Branco, 642, Jardim Esplanada, sede da Dise) a piscina era usada para afogamentos. Depois, as vítimas recebiam socos, pontapés, choques e eram colocadas no “pau-de-arara”. Tudo isso descrito pelos promotores do Gaerco-VP.A casa fica fecha-da normalmente nos fins de semana. Os corruptos a ocupavam aos sábados e domingos para torturar e extorquir, mantendo viaturas como cativeiros móveis. Era um cativeiro fixo e base do terror, réplica dos sinistros porões da ditadura militar. Advogados sem escrúpulos aconselhavam as vítimas, em cárcere privado para, de acordo com a narrativa dos promotores, “seguir as orientações dos policiais”. Foram elaborados flagrante de tráfico falsos. “A farsa era completa”, acusam os promotores. “O delegado Mauro de Almeida assinou os atos de polícia judiciária na condição de delegado titular da Dise, mesmo sabendo da absoluta inexistência de indícios da prática dos crimes de tráfico de entorpecentes em associação e de formação de quadrilha por parte das vítimas”, menciona expressamente o Gaerco-VP na denúncia recebida pelo Judiciário. “Fazia-o, portanto, com o intuito de dissimular as ações clandestinas dos seus subordinados”, salienta.Os demais acusados são André Amaral Cecílio, Roberto Sarmento de Figueiredo Lopes Junior, Décio dos Santos, Luiz Gustavo de Oliveira Schemy, José Rubens de Rezende Filho, Marcelo Palmeira, Luiz Fernando Vinhas Junior e Fabiano de Paula Gorgulho. A advogada Marta Pugliesi Rocha dos Santos, mulher do chefe dos investigadores da Dise, também foi denunciada e presa porque, segundo os promotores, teria intermediado extorsões em dinheiro e recebido uma moto, de comum acordo com os policiais. A Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça decidiu, entretanto, no final de setembro, trancar a ação criminal contra ela, que nega — como os outros acusados — participação nos fatos relatados na denúncia. O pedido, em forma de habeas-corpus, foi impetrado pelo advogado Hélio Bialski. O Ministério Público anunciou que vai recorrer da decisão do TJ ao STJ.Diante do sigilo decretado nos autos, Audrey Kanaan, conta que “ia e voltava de casa com o inquérito debaixo do braço”. O Ministério Público pediu, inicialmente, a decretação de oito prisões preventivas. A Justiça atendeu. Ela quis comunicar ao chefe imediatamente. Mas ele não se mostrou interessado. “Estou com dor de cabeça”, justificou. No dia seguinte, porém, quando os promotores foram entregar os mandados em mãos, os policiais procurados haviam desaparecido. O Ministério Público instaurou procedimento para apurar se houve vazamento de informação na própria Corregedoria da Polícia.A via-crúcis de Audrey Kanaan continuou. Ela precisava fazer o reconhecimento formal de policiais e advogados acusados perante as testemunhas, inclusive presos. Tentou arrumar um local adequado para o ritual previsto pelo Código de Processo Penal. Um dos superiores disse a ela que cada um teria de “se virar com a estrutura que tem”. Audrey conformou-se. Decidiu usar outra casa alugada para a polícia, onde fica a Corregedoria. Todos intimados, a chefia de Audrey mudou de repente o ato marcado para o dia seguinte. Ela recorreu ao juiz do caso. Chegou ordem judicial para o reconhecimento no lugar para onde já fora marcado. A delegada usou o pequeno banheiro da casa. Os policiais acusados ficaram no pátio. Cada testemunha subia no vaso sanitário e olhava por pequenos buracos abertos numa caixa de papelão. A delegada subia num banquinho, e fez isso das 9 da manhã ao final da tarde para o auto de reconhecimento. Quando uma das testemunhas saiu do banheiro, um dos policiais olhou para ela, fez sinal com a mão direita como se estivesse cortando a garganta. “Você não perde por esperar”, ameaçou. Audrey instaurou um novo inquérito contra o policial, desta vez por coação. Uma testemunha disse que os policiais “extrapolaram tanto que quebraram até a ética dos bandidos”.Antes de os policiais jogarem a própria dignidade na latrina da Corregedoria, a delegada Audrey teve o dissabor de ver o chefe imediato dela, Paulo Roberto Galvão, recriminá-la perante promotores que participavam das investigações e acompanhavam o caso. “A doutora extrapolou. Não concordo com a forma dela trabalhar. Ela está expondo a gente. Temos que cuidar da nossa vida…”, disse. Audrey não se arrepende do fim da própria carreira. “Antes decidir agora do que engolir isso a vida inteira. Impossível ficar”, conforma-se.
CHEGA!
E a delegada Audrey Kanaan abandona a luta contra a corrupção
PERCIVAL DE SOUZA – especial para o “Tribuna”
DNA de caráter
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS — Audrey Kanaan é a versão feminina brasileira do policial norte-americano Frank Sérpico. Audrey, em São José dos Campos. Sérpico, em Nova York. Sérpico era considerado certinho demais. Foi atraído para uma emboscada no Brooklin. Recebeu um tiro no rosto. Escapou, mas ficou com a alma dilacerada. Deixou tudo para trás, foi viver na Suíça.A Corregedoria parece maldição na Polícia. A caçadora de corruptos sentiu na pele o que é acreditar em depurar a instituição. Passou a ser vista como inimiga, criadora de caso. Não é de hoje que certos policiais purificadores não têm vez na corporação. De Renan Basto (sem “s”) a Maurício Henrique Guimarães Pereira, hoje nome de penitenciária no interior. Renan nunca parou muito tempo num lugar. Não deixavam. Suicidou-se. Maurício foi delegado-geral de polícia. Também não emplacou. Audrey não aguentou dois anos em São José dos Campos. Primeiro, caiu em desgraça ao apreender 169 máquinas caça-níqueis, que forças nada ocultas mantêm na cidade, até na proximidade de escolas, à revelia da lei. Conseguiu manter-se no caso, mais por pressões políticas decentes.Todos sabem o que aconteceu com Audrey. A delegada entregou os pontos, puxando a descarga moral para a excrescência. Ninguém mostrou sensibilidade para entender que este é um gesto de dignidade — ético, moral, cidadão. A fuga da polícia foi considerada um ato burocrático e não DNA de caráter. A polícia perdeu. A sociedade perdeu. O Ministério Público vai ganhar. O Brasil precisa mais e mais de gente como Audrey Kanaan. (PS)
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS — Audrey Kanaan é a versão feminina brasileira do policial norte-americano Frank Sérpico. Audrey, em São José dos Campos. Sérpico, em Nova York. Sérpico era considerado certinho demais. Foi atraído para uma emboscada no Brooklin. Recebeu um tiro no rosto. Escapou, mas ficou com a alma dilacerada. Deixou tudo para trás, foi viver na Suíça.A Corregedoria parece maldição na Polícia. A caçadora de corruptos sentiu na pele o que é acreditar em depurar a instituição. Passou a ser vista como inimiga, criadora de caso. Não é de hoje que certos policiais purificadores não têm vez na corporação. De Renan Basto (sem “s”) a Maurício Henrique Guimarães Pereira, hoje nome de penitenciária no interior. Renan nunca parou muito tempo num lugar. Não deixavam. Suicidou-se. Maurício foi delegado-geral de polícia. Também não emplacou. Audrey não aguentou dois anos em São José dos Campos. Primeiro, caiu em desgraça ao apreender 169 máquinas caça-níqueis, que forças nada ocultas mantêm na cidade, até na proximidade de escolas, à revelia da lei. Conseguiu manter-se no caso, mais por pressões políticas decentes.Todos sabem o que aconteceu com Audrey. A delegada entregou os pontos, puxando a descarga moral para a excrescência. Ninguém mostrou sensibilidade para entender que este é um gesto de dignidade — ético, moral, cidadão. A fuga da polícia foi considerada um ato burocrático e não DNA de caráter. A polícia perdeu. A sociedade perdeu. O Ministério Público vai ganhar. O Brasil precisa mais e mais de gente como Audrey Kanaan. (PS)
(OUTUBRO DE 2005)
