Quando a PM vira gangue fundamentalista e a escola, palco de terror 4

Eu estava lá, ou quase.

Não na EMEI Antônio Bento – não confundir com o Coronel pai da Juliana da canção do Tim Maia – mas na minha cabeça, na minha indignação, na minha raiva de ver quatro policiais militares, um deles com metralhadora, invadirem uma escola infantil porque um pai evangélico, sargento da PM, não gostou de ver sua filha desenhando Iansã.

Isso mesmo: Iansã.

Não uma bomba, não um satanás, não uma ameaça à ordem pública.

Uma figura de uma cultura que, por acaso, é negra, africana, e que, por acaso, é perseguida, criminalizada, esmagada por séculos de racismo religioso.

Eu que – em outros tempos – achava absurda a discriminação de policiais crentes ; sempre malvistos pelos superiores e colegas , acabo tendo que concordar parcialmente com os mais antigos : “polícia não é lugar para pregadores “ .

Uma gente que não aceita o outro e não compreende que o cristianismo – com todas as suas facetas e facções – também é uma mitologia de europeu branco que retrata o palestino Jesus como loiro , atlético , 1m80 ,  de olhos azuis …

Talvez de judeu , pelo retrato europeu , só lhe deixaram o pau grande .

A cena na escola infantil – típica da cristandade mórbida  – é de filme de terror, mas aconteceu de verdade.

Quatro homens armados, fardados, com poder de vida e morte, entraram na escola, intimidaram a diretora, constrangeram professores, aterrorizaram crianças.

Tudo porque um colega de farda, um sargento, quis impor sua fé, sua intolerância, sua ignorância.

E a PM, em vez de orientar o sujeito a procurar a Polícia Civil, como manda o bom senso e a lei, virou gangue de proteção de colega.

Virou justiça privada, virou instrumento intimidação mafiosa .

O que aconteceu ali não foi apenas abuso de autoridade.

Foi prevaricação.

Foi racismo religioso.

Foi violência estatal contra a autonomia pedagógica, contra a diversidade, contra a própria infância.

Os policiais, em vez de proteger, aterrorizaram.

Em vez de garantir a ordem, criaram caos.

Em vez de respeitar a escola, transformaram-na em palco de intimidação.

E aí, o que fazemos?

O que fazemos quando a PM vira gangue, quando a escola vira palco de terror, quando a lei vira piada?

Punimos.

Punimos com severidade.

Punimos com rigor.

Punimos com indignação. Porque se não punirmos, se não responsabilizarmos, se não cobrarmos, a PM continuará a ser usada como instrumento de opressão, de intimidação, de violência contra quem ousa ser diferente, contra quem ousa ensinar, contra quem ousa aprender e contra quem ousar divergir dessa obtusa visão de mundo imundo.

A educação antirracista não é opção ideológica.

É obrigação legal.

É condição para a construção de uma sociedade democrática, justa, respeitosa da diversidade.

E a punição exemplar dos policiais envolvidos no caso da EMEI Antônio Bento é um passo fundamental para garantir que escolas permaneçam espaços de proteção, acolhimento e formação integral, livres de intimidação e violência institucional.

Porque, no fim das contas, o que está em jogo não é apenas a punição de quatro policiais.

É a defesa da democracia, da diversidade, da infância.

É a defesa do direito de ser diferente, de ensinar, de aprender, de viver. É a defesa do direito de desenhar Iansã, de ler “Ciranda em Aruanda”, de celebrar a cultura afro-brasileira.

É a defesa do direito de ser humano, de ser livre, de ser feliz.

O que poucos policiais militares sabem , em que pese as suas múltiplas especialidades intelectuais :

Antônio Bento de Souza e Castro (São Paulo, 17 de fevereiro de 1843 – 8 de dezembro de 1898) foi promotor público, juiz e um dos principais abolicionistas brasileiros. Filho de uma família abastada, formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1868.

Exerceu cargos de promotor público em Botucatu e Limeira, e foi juiz municipal em Atibaia, onde já se destacava por despachos favoráveis à libertação de escravizados trazidos ilegalmente ao Brasil após 1831.

Após a morte de Luís Gama, tornou-se líder do movimento abolicionista paulista, organizando o movimento dos Caifazes, que ajudava escravizados a fugirem das fazendas e os protegia em refúgios, facilitando sua contratação como trabalhadores livres.

Foi editor do jornal abolicionista A Redempção, divulgando ideias de igualdade racial e liberdade. Sua atuação foi marcada por coragem, desprendimento e firmeza diante da perseguição dos escravocratas, sendo vítima de atentados e prisão por sua luta.

Antônio Bento é considerado um dos grandes nomes da luta abolicionista em São Paulo, símbolo da resistência contra o racismo e da defesa dos direitos humanos, tendo seu nome homenageado em escolas e instituições como reconhecimento de sua trajetória de justiça social.

Não morreu assassinado talvez pelo fato de a PM ainda não existir; além de ser branco, rico e Juiz de Direito.  .

A escola EMEI Antônio Bento, assim, leva o nome de um homem que personificou a resistência, o combate à opressão e o compromisso com a justiça social, sendo um constante lembrete da importância da luta contra o racismo, da promoção da diversidade e da defesa dos direitos humanos ; valores que, ironicamente, estiveram profundamente ameaçados pelo episódio recente de violência e racismo religioso sofrido por seus alunos, professores e funcionários.

Recomendação ao Sargento Evangélico: leve sua filha para uma escola militar …

E seja feliz com a sua futura sargentona nº 41!