TUDO CALMO? 85
É neste ponto que seu filho mais velho, Ivo Herzog, entra na conversa. Para discordar. “Não sei se eles devem ser abertos. Se forem tratados com sensacionalismo, é melhor que não sejam”, diz Ivo, que esteve no evento de lançamento do livro, em Brasília. Ivo, engenheiro, tinha 9 anos quando o pai morreu. O irmão mais novo, André, 7. Confira os principais trechos da entrevista que Clarice e Ivo Herzog concederam ao Aliás.Qual era o clima em SP durante a ditadura?Clarice Herzog – Não vivíamos com medo, assustados. Nosso sentimento era muito mais de indignação. A indignação era comum a todos? Clarice – Eu convivia com isso, porque freqüentava os círculos de jornalistas. Reuníamos amigos de esquerda e discutíamos sobre os rumos do Brasil e, principalmente, nossos limites. Por que o caso Vlado se tornou tão simbólico?Clarice – Porque ele era diretor de uma TV pública, dava aula na USP, tinha passaporte, podia sair do País se quisesse. Os perseguidos não eram mais só clandestinos ou membros da luta armada. Houve uma ruptura. Os pedidos constantes para que você fale de Vlado a incomodam?Clarice – É muito difícil. Esta é uma ferida que está aberta. Só não está mais inflamada. Sempre que acontece algum episódio relacionado à ditadura, tudo volta à tona. A figura dele é muito usada, as pessoas reproduzem as fotos dele pendurado, como se esquecessem que ele tem filhos e mãe vendo isso. Quando as memórias vêm à tona?Clarice – Todo aniversário do Vlado é doloroso para mim. Mas, publicamente, o último baque foi a divulgação daquelas fotos, em 2004, que eu achei ser do Vlado. Fiquei muito aliviada quando soube que não era ele, e horrorizada por saber que tinham feito tudo aquilo com o padre que estava na foto. Por que você aceita os convites para entrevistas?Clarice – Sou muito procurada. Gostaria de ser esquecida. Vivo esse dilema entre a cidadã, que deve falar sobre o passado, principalmente aos jovens, e a mulher que quer fechar a portinha, deixar o assunto quieto. Meus depoimentos já foram dados. O lançamento desse livro lhe dá algo novo a dizer?Clarice – Ele foi importantíssimo, porque foi um reconhecimento oficial, que até agora não havia ocorrido. Algumas comissões já haviam lançado livros, mas não havia um documento endossado pelo presidente da República. O próximo passo seria a abertura dos arquivos. Eles têm que ser abertos.Ivo, você concorda?Ivo Herzog – Isso é muito delicado. A questão tem lado emocional e racional. As famílias são pura emoção. A instituição do Estado que provocou tudo aquilo tem que ser tratada com racionalidade. Além disso, a imprensa é muito sensacionalista. Tenho certeza de que, se os arquivos forem abertos, eles vão gerar mais interesse pelo lado apelativo do que pela revelação da verdade. Qual o limite para a divulgação do que estiver dentro dos arquivos? Ivo – Não sei. Os fatos têm que ser apurados, os participantes têm que ser identificados claramente. Aí, tem a questão da lei da anistia, então, não vai haver um processo contra eles. Mas pelo menos saberemos quem foram os responsáveis e onde eles estão. Me incomoda essas pessoas não terem essa mancha de seus passados expostas a todos. Esse livro chegou tarde, Clarice?Clarice – Antes tarde do que nunca, mas veio tarde sim. Outros países discutiram isso há tanto tempo. Acho que o Lula não tinha condições políticas de fazer isso antes. Foi uma questão de conjuntura. Em algum nível, esse documento é eficiente para resolver a sua questão pessoal?Clarice – Não, isso não existe. O livro é uma conquista dos familiares, da sociedade, dos órgãos envolvidos. É um fortalecimento. Mas não resolve nada no nível individual. Quando tivemos a sentença favorável ao Vlado, por exemplo, não me senti confortada. Nem com a indenização que recebi anos depois. O Lula falou que esse seria o primeiro passo para virarmos essa página da História.Clarice – A expressão foi infeliz. Não se vira uma página como esta. Aliás, esse livro vem para, finalmente, imprimir esta página na História.O livro fala de decapitações e estupros. Isso a surpreendeu?Clarice – De algumas coisas a gente já sabia. Pessoas que sobreviveram nos contaram o que acontecia nos porões. Só que uma coisa é o burburinho; outra é ver isso escrito, ter a confirmação de que essas barbaridades aconteceram. É um paradoxo. Ao mesmo tempo que é duro ver, é um passo em direção à verdade. No fundo, a gente quer saber como foi. O que você achou da ausência de chefes militares na cerimônia?Clarice – Bem sintomático. Há um corporativismo danado, os militares vão fazer de tudo para segurar essas informações. Há justiça na lei da anistia?Clarice – Me perguntaram isso quando a lei da anistia foi promulgada. Respondi: eu não anistio criminosos. Um dos lados morreu e matou porque lutava pela redemocratização do Brasil. O outro assassinou porque estava sendo pago para isso. São criminosos. Sei que é uma visão radical.Você chegou a encontrar algum torturador do Vlado?Clarice – Não. Só sei quem são os dois que bateram na minha porta atrás dele. Depois, fiquei sabendo de nomes de pessoas, mas nunca as vi na minha frente. Se eu visse, acho que teria vontade de avançar nelas. Mas o tempo faz com que a gente tente uma sociedade diferente. Não quero revanche.É humanamente possível evitar o sentimento de querer que alguém pague pelo que fez?Clarice – Não foi uma pessoa, foi um sistema. Não quero ver a cara de quem matou o Vlado. Toda vez que há denúncias de quem são os torturadores, meu estômago embrulha. Não quero ver, tenho nojo.O que você deseja para essas pessoas?Clarice – (Risos) Que eles vão para o inferno e morram bem sequinhos. (Mais séria) O que me deixa desesperada é que vários deles estão trabalhando, no governo, e eu estou pagando o salário dessa gente. A exposição dessas pessoas ajudaria um pouco. Eles não vão ser presos, mas que caiam fora. Quero que eles percam seu espaço político de atuação. Eles continuam trabalhando para o mal, ninguém se regenera desse tipo de coisa. Você se tornou amargurada depois da morte do Vlado?Clarice – Sim, fiquei uma pessoa triste. Mais dura, menos tolerante com o outro. Mais crítica. Não suporto leviandade. Passei a brincar menos com meus filhos.O que você ainda gostaria de obter com esse caso?Clarice – Acho que já cumpri meu principal objetivo, que era provar que o Vlado foi assassinado. Não quero saber quem o matou, não terei ganho com isso. Nossa conquista é outra. É ver hoje as pessoas que foram perseguidas no poder, liderando processos. Sabe o que eu queria mesmo? Que a gente tivesse uma sociedade melhor. Estou muito chateada com o Brasil. Descobrir quem matou o Vlado é uma coisa muito pequena perto de tudo isso que está acontecendo.
MP: falha em investigação mantém crime organizado
Fabiana Leal
O procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Mauro Henrique Renner, que já presidiu o Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas, disse que o crime tem sido “um bom investimento” devido à ausência do Estado. Segundo ele, houve uma migração para o crime organizado pela falta de qualificação na área de investigação.
“Os Estados têm dificuldade na qualificação dos policiais. Tanto no efetivo quanto no investimento. O Direito é mais eficaz nos crimes eventuais”, afirmou.
Segundo Renner, 99% dos presos no País cumprem pena por crimes cotidianos (furto, latrocínio, homicídio). “Crimes onde não sentimos dor, onde as pessoas não são identificadas, onde vítimas não têm rostos, em crimes contra a administração pública, contra o erário, onde há um custo elevado para o Estado, o direito penal quase não atua”.
“A vocação do MP é para o processo, e nós estamos mudando nossa atuação por causa dessa ausência do Estado para o combate à criminalidade, à impunidade. Há um grande número de boletins de ocorrência, mas que não são apurados pela polícia”, afirmou Renner.
Segundo o procurador, há um déficit muito grande de pessoal no Rio Grande do Sul. “A Polícia Civil tem o mesmo efetivo há 30 anos. A Polícia Militar, há 15 anos. E isso é uma realidade de muitos Estados”.
“O ideal seria, evidentemente, uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) para tentar, durante cinco anos, que um percentual de verbas ficasse vinculado à área da segurança pública”, afirmou o procurador-geral.
A PEC 60/05 de autoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) propõe que a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios apliquem parte de suas receitas em ações de segurança pública pelos próximos cinco anos. A PEC já recebeu sinal verde da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, mas ainda tem que passar pelo Plenário da Casa e pela Câmara dos Deputados.
O secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, José Francisco Mallmann, disse que está prevista a modernização da gestão; a recomposição de efetivos e o apoio e valorização ao policial. “Por isso, precisamos de policiais treinados, motivados e bem remunerados. Há 25 anos a BM (Polícia Militar do Estado) tinha cerca de 30 mil policiais, hoje são em torno de 23 mil, 10 mil a menos para um efetivo previsto de 33.650 servidores, fixado ainda em 1991, com base na população da época”.
Segundo o secretário, na Polícia Civil, o quadro é ainda mais agravante, há um déficit atual de mais de 50% nos quadros, reduzindo a polícia, hoje, a pouco mais de 4,5 mil servidores.
No dia 31 de agosto deste ano, a governadora Yeda Crusius e o secretário anunciaram o aporte de R$ 50 milhões para a segurança pública gaúcha, recursos oriundos da União e com contrapartida variando de 2% ao 20% para o Estado.
“O ideal é que tivesse um gestão de segurança pública de Estado e não de governo. Temos de trabalhar segurança pública a longo prazo e não a curto prazo. Segurança Pública não é só a atividade criminal. As causas do crime estão voltadas às questões sociais”, disse Renner.
Mallmann, que assumiu a pasta no dia 23 de abril deste ano, informou que, uma semana depois da posse, entregou em mãos, ao ministro da Justiça, Tarso Genro, 66 projetos orçados em R$ 262 milhões e alinhados aos cinco eixos do Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) – prevenção da violência, valorização profissional, gestão de conhecimento, reaparelhamento policial e unidades funcionais
Pido permiso, señores,
que este tango… este tango habla por mí
y mi voz entre sus sones dirá…dirá por qué canto así.
Porque cuando pibe,
porque cuando pibe me acunaba en tango la canción materna
pa’ llamar el sueño,
y escuché el rezongo de los bandoneones
bajo el emparrado de mi patio viejo;
porque vi el desfile de las inclemencias
con mis pobres ojos llorosos y abiertos
y en la triste pieza de mis buenos viejos
cantó la pobreza su canción de invierno.
Y yo me hice en tangos,me fui modelando en barro, en miseria,
en las amarguras que da la pobreza,
en llantos de madre,
en la rebeldía del que es fuerte y tiene que cruzar los brazos
cuando el hambre viene.
Y yo me hice en tangos porque… ¡ porque el tango es macho!,
¡porque el tango es fuerte!,
tiene olor a vida,
tiene gusto… a muerte;
porque quise mucho, y porque me engañaron
y pase la vida masticando sueños;
porque soy un árbol que nunca dio frutos,
porque soy un perro que no tiene dueño,
porque tengo odios que nunca los digo,
porque cuando quiero,
porque cuando quiero me desangro en besos,
porque quise mucho, y no me han querido;
por eso, canto tan triste…
¡Por eso!