Espelhos Quebrados: A Ilusão do Poder e a Realidade da Farda 3

Introdução ou conclusão antecipada: O policial militar, ao se posicionar como inimigo declarado da esquerda e das ideias progressistas, age não apenas por convicção política, mas, sobretudo, por um impulso de negar e subjugar a própria natureza de trabalhador explorado, repetindo uma dinâmica histórica de opressão interna à classe subalterna.
Assim como o escravo doméstico ( bajulador do seu dono )   desprezava o escravo do eito ( o trabalho pesado na roça ) para se sentir superior ou como o capitão do mato – muitas vezes um ex-escravo – era ensinado a odiar e caçar o negro fugitivo, o PM adota o discurso e os valores da elite dominante para tentar se distanciar de sua origem comum com aqueles que despreza e reprime.
Esse ódio ao progressismo em geral   é, em essência, uma tentativa de se diferenciar dos seus iguais e de agradar aos seus senhores, alimentando uma ilusão de pertencimento a uma casta superior, quando, na verdade, permanece tão submisso e descartável quanto qualquer outro trabalhador pobre sob o olhar frio da elite.

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No asfalto quente das grandes cidades brasileiras, entre buzinas, sirenes e o cheiro de fumaça, a cena se repete: um policial militar se aproxima de um “suspeito de ser suspeito” , a mão pesada e automática tocando o corpo  de quem nem ousou levantar a voz.

Se ousar de pronto recebe violento golpe e o “cala boca filho da puta …

Tá louco!

O gesto é quase instintivo, como se a farda  e arma sempre apontada para o “insuspeito suspeito” lhe conferisse o direito divino de calar qualquer questionamento.

Mas quem é esse policial?

E a quem ele realmente representa?

Poucos param para refletir sobre a própria condição social.

A maioria dos policiais militares, formados em escolas públicas , com baixa exigência escolar e submetidos a uma doutrina rígida e acrítica, raramente se percebe como parte da massa trabalhadora.

Se acham superiores por ascenderem da sarjeta para o meio-fio!

São ensinados a obedecer, a temer o oficialato e a reprimir e subjugar os mais fracos.

Acreditam, por vezes, serem representantes da lei – quando, em verdade, são apenas instrumentos de um Estado patrimonialista, explorador e, não raramente, corrupto.

O policial militar, fora do serviço, se vê diante de uma dura realidade: sua formação escolar e qualificação profissional dificilmente o habilitariam a sobreviver dignamente no mercado privado.

Não é diferente do motoboy, do gari, do balconista – todos igualmente invisíveis aos olhos da elite que, paradoxalmente, o policial serve com tanto zelo.

A diferença entre eles é apenas simbólica.

Enquanto o motoboy desafia o trânsito para entregar comida, o policial desafia a própria consciência para manter as “coisas como são” de um sistema que o despreza.

Ambos, no entanto, são peças de uma engrenagem que os consome e descarta.

Historicamente, a Polícia Militar foi concebida para proteger interesses do Estado e das elites, não da população.

Desde as Guardas do Império, passando pela militarização durante a Ditadura, a instituição foi moldada para reprimir, não para dialogar.

O policial tornou-se o “capataz” moderno, sempre pronto a conter qualquer ameaça à ordem estabelecida – mesmo que essa ameaça seja apenas o grito de um trabalhador por justiça.

Falta à maioria dos policiais militares a consciência de que são, também, trabalhadores.

Falta-lhes perceber que, enquanto se enxergarem como guardiões de um sistema que jamais os reconhecerá como iguais, continuarão sendo apenas instrumentos de opressão – nunca protagonistas de sua própria história.

Por trás do uniforme, há apenas mais um operário da repressão, explorado como qualquer outro, descartável e substituível.

A Polícia Militar não existe para combater o crime – se assim fosse, seus alvos seriam os grandes corruptos, os banqueiros da lavagem de dinheiro, os latifundiários da grilagem.  

O Governador , o Secretário de Segurança e os Deputados!

Mas não: sua vítima preferencial é sempre o pobre, o negro, o favelado.

O capitalismo precisa de inimigos úteis – e a PM é a ferramenta que transforma miséria em “caso de polícia”, revolta social em “vandalismo”,  protesto por sobrevivência em “ilegalidade”.

Sua violência não é um desvio, mas a essência de seu papel: manter a plebe no lugar.

O policial militar é, em essência, um espelho quebrado: vê-se grande, mas reflete apenas fragmentos de um poder emprestado, sustentado pelo suor e pelo silêncio dos que, como ele, lutam diariamente para sobreviver.

Talvez um dia, ao olhar nos olhos de um manifestante de esquerda , reconheça ali não um inimigo, mas um igual.

E, quem sabe, comece a reconstruir, peça por peça, sua verdadeira identidade.

Nota : De se observar que “oficiais e delegados – ao menos a maioria dos que ascendem aos altos escalões – são feitores assumidos, um ou outro – quando não produtos do estamento (herdeiros do cargo ou da patente) de origem burguesa” , tal assertiva é pertinente e encontra respaldo na análise histórica e sociológica das instituições policiais brasileiras. Tanto a Polícia Militar quanto a Polícia Civil foram estruturadas, desde suas origens, como instrumentos de controle social a serviço da ordem estabelecida e dos interesses das elites. O papel do feitor, na lógica escravocrata, era justamente o de disciplinar e reprimir os trabalhadores, garantindo a produtividade e a submissão ao senhor; de modo análogo, oficiais e delegados ocupam posições de comando e fiscalização, exercendo a função de disciplinar a base policial e, por extensão, a população pobre e trabalhadora.
Historicamente, o recrutamento de delegados de polícia esteve atrelado à classe média tradicional e à influência política, sendo comum o uso do cargo para garantir o predomínio da autoridade central e a manutenção do “status quo”. Embora o acesso aos cargos atualmente se dê por concurso público, o perfil social e cultural dos delegados ainda reflete, em grande parte, essa herança, com muitos oriundos de famílias com capital social e cultural elevado, ou mesmo de linhagens ligadas ao funcionalismo e à elite jurídica. Entre oficiais da PM, o processo de formação militarizada, a hierarquia rígida e a função de comando reforçam o papel de intermediários entre o poder estatal e a base policial, reproduzindo a lógica do feitor: são os responsáveis por garantir a disciplina e a repressão, muitas vezes internalizando valores conservadores e distanciando-se da realidade social da maioria dos subordinados.
Portanto, a analogia é válida e histórica e culturalmente demonstrável : oficiais e delegados, em sua maioria, desempenham funções e adotam posturas que os aproximam do papel histórico do feitor, atuando como gestores da repressão e da ordem em benefício das elites, seja por convicção, formação ou por herança de um sistema social excludente e patrimonialista.
São descaradamente lacaios do poder e ávidos por cargos políticos.

Um Comentário

  1. Apenas complementando o texto brilhante, patrono da PM, Tobias de Aguiar, era escravagista

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  2. TEXTO MUITO BEM ELABORADO. SÓ PENSO QUE NÓS, POLICIAIS CIVIS, TAMBÉM DEVEMOS SER INCLUÍDOS NESSA ANÁLISE.

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    • Camelopol, obrigado! Os operacionais da PC são equiparados à massa trabalhadora, submetidos à autoridade dos delegados sem participação efetiva nas decisões de repressão ou na gestão do aparato policial.
      São, em grande medida, também vítimas do sistema hierárquico e excludente, sendo explorados e frequentemente descartáveis, como qualquer outro trabalhador subalterno.
      Entretanto , via de regra, têm consciência do seu papel na sociedade e, também, via de regra, não se sentem ou se colocam em posição de superioridade ao trabalhador comum ou mesmo o povão meio rude. A violência física ou simplesmente verbal de policiais civis é desvio individual, não é fruto de doutrinação nem mesmo descarrego no mais fraco. Há exceções , claro! Mas o policial , desde o início da carreira , não nutre as ilusões messiânicas de mantenedores da lei , da ordem e de combatentes . O Policial Civil sábia e sobriamente tem consciência de que exerce uma profissão, a maioria com orgulho e honra, pela qual deve ser valorizado e dignamente remunerado. Só vi gente paranoica “com mania de se achar sempre vítima de chuveirada”…Sem sacanagem , justamente ex-PMs…kkk

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