São Paulo é um estado seguro?

A principal bandeira de campanha do candidato à presidência Geraldo Alckmin é a segurança pública do Estado de São Paulo, que, nos últimos 17 anos, viu a sua taxa de homicídios cair aproximadamente 70%. Evidentemente, como todo político, Alckmin coloca essa redução como mérito de sua política de segurança, o que, obviamente, não poderia ser mais falso.
Antes de iniciar o assunto, é preciso dizer alguns fatos importantes.
1-) O número de homicídios no Estado de São Paulo caiu drasticamente desde o ano de 2001.
2-) Todas as estatísticas mundiais que medem a violência de um local, inclusive aquelas feitas pela ONU e demais entidades internacionais, levam em conta, quase sempre, apenas a taxa de homicídios. Ou seja, a quantidade de furtos, roubos, estelionatos, tráfico de drogas, e outros crimes, geralmente, não é levada em conta na medição de violência de um local, fazendo com que uma cidade X, por exemplo, mesmo assolada com todo tipo de delito, não seja considerada violenta se tiver uma taxa de homicídios baixa.
Ditas essas duas observações, vamos ao que interessa: São Paulo é um Estado seguro?
Como todos sabem, a facção criminosa PCC possui o monopólio do crime organizado em São Paulo. Não possui “concorrentes” à altura e, por isso, detém o domínio completo do tráfico de drogas de TODO O ESTADO. O grupo não apenas domina soberanamente o “mercado” das drogas, como também o dos roubos a bancos, caixas eletrônicos e carros fortes. Além disso, o PCC também cobra mensalidade de seus membros e, desta maneira, tem a sua receita aumentada em razão de todos os crimes praticados por seus integrantes, que ocorrem todos os dias, em todas as cidades de São Paulo.
Apenas por meio desta pequena introdução, sem se mencionar outras fontes de renda da quadrilha, já é possível ter uma noção da dimensão que o PCC alcançou e do faturamento que arrecada anualmente à custa do trabalho da população e da ineficiência estatal, o qual alcança a ordem dos bilhões de reais. Isso mesmo, BILHÕES DE REAIS POR ANO EM FATURAMENTO.
Ocorre que o PCC, para chegar ao tamanho que chegou, não se utilizou exclusivamente da violência. Além da imprescindível ajuda da ineficiência estatal, precisou atuar nas periferias e nas prisões como mediador de conflitos sociais. Quem não possui familiaridade com o trabalho de combate ao crime talvez não saiba, mas o PCC é respeitado não apenas pelo medo que impõe, como também por possuir um rígido código de normas que, por incrível que pareça, estabelece a solução violenta como medida a ser tomada em último caso.
Qualquer presidiário que permaneceu em alguma prisão brasileira nos anos 80 ou 90 pode atestar com tranquilidade sobre os “benefícios” advindos do o crescimento do PCC. Isso porque a facção proibiu atos indiscriminados de violência nas penitenciárias, bem como perseguições causadas por rusgas pessoais, levando, de certa forma, paz e tranquilidade a muitos dos detentos. Esse poder do grupo revertido em prol dos detentos, aos poucos, foi substituindo a autoridade estatal.
O poder aumentou tanto que, com o tempo, ultrapassou os muros dos presídios e veio para as ruas.
Neste contexto, toda unidade prisional, assim como todo e qualquer bairro de qualquer cidade do Estado de São Paulo, possui um representante da facção, que, além de cuidar dos “negócios” do grupo, fica incumbido de fiscalizar e dar cumprimento às regras vigentes. Em caso de descumprimento de alguma norma, o poder punitivo não será exercido sumariamente, posto que, antes da concretização de qualquer sanção, é instalado um “julgamento” do caso, em que as partes e testemunhas são ouvidas antes da decisão final.
Dado o tamanho do PCC, bem como pela estratégia de ocupar espaços para aumentar o seu poder, as “causas” que tramitam em seus “tribunais” dizem respeito a todo tipo de conflito, desde briga entre vizinhos e desentendimentos familiares, até estupradores e homossexualismo no grupo.
E é aqui que vem a principal informação deste texto: O PCC, via de regra, proíbe o homicídio.
Homicídios em um local levam até lá a presença policial, o que diminui o faturamento do tráfico, já que inibe os usuários de comprarem a droga. Lembram-se das “brigas de bar” que terminavam em morte? Das inúmeras campanhas nos anos 90 que pediam o fechamento dos bares depois das 22h? Essas mortes intensificavam o policiamento no local e prejudicavam o tráfico que era realizado justamente nestes mesmos bares e nas suas adjacências, revertendo em prejuízo à quadrilha.
Além disso, nos casos de desentendimentos entre bandidos, um bandido morto por outro diminui a renda da quadrilha. É melhor dois bandidos inimigos fazerem as pazes e continuarem dando lucro à facção, do que, aos poucos, irem se aniquilando até a extinção do grupo.
Deste modo, vemos que a grande maioria dos conflitos é solucionada com outro tipo de sanção que não a morte. Como já dito, apenas em situações específicas a “pena de morte” é aplicada, como, por exemplo, a estupradores, delatores, traidores e até mesmo a homossexuais que pertençam à facção e sejam descobertos. Ademais, TODO E QUALQUER HOMICÍDIO DEVERÁ SER PRATICADO DEPOIS DA AUTORIZAÇÃO DA FACÇÃO. Essa regra vale para todo o território abrangido pelo PCC, ou seja, praticamente todo o Estado de São Paulo, e quem descumpri-la também será morto.
Vale dizer que, depois de autorizado pela facção, o homicídio deverá ser praticado abertamente, para que todos tenham ciência do porquê aquilo está acontecendo e, também, para se demonstrar o poder do grupo, sendo proibido o uso de capuzes ou máscaras pelos executores do crime.
É por isso que a taxa de homicídios de São Paulo é INVERSAMENTE PROPORCIONAL ao crescimento do PCC no estado. Noutras palavras, quanto mais o PCC cresceu, mais os homicídios diminuíram. Os dois fatores estão umbilicalmente ligados.
Por tudo o que foi exposto, apenas uma pessoa muito ingênua acredita que uma política pública eficiente foi a causa da redução drástica dos homicídios em São Paulo. Alguém já viu política pública eficiente e tão exitosa no Brasil? Eu nunca vi.
Mas o presente texto não acaba aqui. É necessário, também, analisar se os últimos governos de São Paulo foram complacentes com essa situação por incompetência, ou se, por conveniência, deixaram as coisas tomarem essa proporção.
Como mencionado anteriormente, as estatísticas sobre violência de um determinado local tomam como base exclusivamente o número de homicídios ali ocorridos. Assim, hoje em dia, São Paulo é um dos estados “mais seguros” quando tomamos por base tais dados, visto que o número de homicídios por 100 mil habitantes é bem menor do que o dos outros estados brasileiros. Porém, quando analisamos outros tipos de crimes, como roubos e furtos, os quais NÃO SÃO PROIBIDOS PELO PCC, vemos que São Paulo ocupa posição de destaque, figurando sempre entre os cinco mais violentos. Que política de segurança é essa que só inibe assassinos?
Analisando desta forma, é possível dizer que o PCC fez bem para a imagem do Estado de São Paulo no que diz respeito à segurança, uma vez que o principal indicador de violência – a taxa de homicídios- desabou graças àquela facção, ao passo que as taxas de outros crimes violentos que não são levados em conta nessas estatísticas continuam estacionadas.
Um governador maquiavélico e inescrupuloso combateria o PCC ou seria leniente com a facção, já que, na prática, ela lhe presta um favor e lhe rende lucros políticos?
Vejamos:
Uma quadrilha altamente complexa, extremamente poderosa e muito bem organizada só se combate com uma estratégia muito bem planejada, elaborada pela inteligência policial. Neste caso, essa tarefa incumbe à Polícia Civil do Estado de São Paulo, órgão responsável pela INVESTIGAÇÃO dos crimes e combate às quadrilhas organizadas. Esse trabalho deveria ser realizado por meio de modernas técnicas investigativas, escutas telefônicas, equipamentos modernos, mão de obra qualificada e bem remunerada.
Ocorre que a Polícia Civil é aquela que atua de forma velada, uma vez que seus integrantes, por trabalharem com investigação, não usam fardas, trabalham muitas vezes infiltrados, suas viaturas normalmente são descaracterizadas e sua atuação não é percebida pela população de maneira imediata.
Por outro lado, a Polícia Militar é aquela que atua na PREVENÇÃO do crime, realizada por meio de patrulhamento ostensivo. São os policiais fardados que vemos na rua e que nos trazem sensação de segurança.
Em outras palavras, a polícia investigativa representa a inteligência e a polícia ostensiva representa a força. A primeira atua na investigação e a população não percebe sua presença na rua; a segunda, na prevenção ostensiva e, por isso, sempre é notada na rua pelas pessoas. A primeira prende com QUALIDADE, a segunda, em QUANTIDADE. As duas são de vital importância à segurança pública.
Como é possível perceber, a investigação é trabalhosa, demanda tempo, muito esforço e inteligência, e, via de regra, por não ter visibilidade para a população, é preterida pelos políticos, por não garantir frutos para a suas propagandas. Já o policiamento ostensivo é mais barato, é imediato, menos trabalhoso e possui visibilidade, coisa que os políticos adoram.
Nos últimos anos, os governadores do Estado de São Paulo têm optado por um modelo de segurança pública específico, em que o policiamento ostensivo (Polícia Militar) tem obtido praticamente todos os investimentos públicos. Em contrapartida, a polícia investigativa e inteligente (Polícia Civil), única apta a combater e destruir as bases dos grandes grupos criminosos, sobretudo o PCC, vem sendo gradualmente sucateada pelos administradores. E isso não é exagero. Basta ver a situação miserável em que se encontram as delegacias de polícia, o número irrisório de esclarecimentos de crimes, a falta de investimentos e o efetivo cada vez menor e que não é reposto, enquanto a população está aumentando constantemente. Alguns departamentos responsáveis por investigar o crime organizado estão com menos da metade do efetivo que tinham anos atrás. Isso sem contar no salário dos policiais civis paulistas, que, quando comparados aos dos outros estados do Brasil, fica nas últimas posições, apesar de São Paulo ser, de longe, o estado mais rico do país.
Por tudo isso que foi relatado acima, algumas conclusões ficam claras:
a-) São Paulo não é um estado seguro. Apenas possui uma taxa de homicídios baixa.
b-) A queda dos números de homicídios deveu-se ao crescimento do PCC, que, como regra, proíbe que tal delito seja cometido, exceto quando expressamente autorizado pela facção.
c-) O crescimento do PCC foi bom para o Governo de São Paulo, pois, de acordo com os indicadores mundiais, o estado é considerado um dos menos violentos do país, já que apenas a taxa de homicídios é levada em conta nessas estatísticas;
d-) O Governo de São Paulo fez um acordo tácito com o PCC, pois como a facção foi a responsável pela queda da taxa de homicídios, ela não é incomodada pela Polícia Civil e suas investigações.
e-) O Governo de São Paulo vem aumentando os investimentos na Polícia Militar, fazendo com que a população veja muitos policiais na rua e, com isso, tenha maior sensação de segurança. Evidentemente, uma sensação falsa.
f-) Como parte do acordo tácito feito com o PCC, a Polícia Civil vem sendo gradativamente sucateada e atualmente encontra-se em verdadeira penúria. Não são feitos investimentos, os seus homens não são repostos, faltam recursos materiais, e os salários, nos últimos anos, vêm sendo achatados. Para se ter uma ideia, um Investigador da Polícia Civil, que precisa ter nível superior para ingressar na carreira, ganha menos do que um Oficial da Polícia Militar, que precisa apenas do Ensino Médio para entrar na carreira, desproporção esta que não existia há duas décadas.
g-) A Polícia de São Paulo prende em bastante quantidade, mas em péssima qualidade.
h-) Os últimos governantes não se preocuparam com a população, apenas consigo próprios. Apesar de o PCC aterrorizar a população, a facção é útil aos governantes e lhes fornece material para propaganda, e por isso NUNCA FOI COMBATIDA. Pelo contrário, as políticas de segurança se adaptaram de forma a dar cada vez mais liberdade de ação ao grupo criminoso.
Escrito pelo leitor TIRA-DÚVIDAS