Um grupo de oficiais ligados à cúpula da Polícia Militar de São Paulo é investigado pelo Ministério Público por ter feito viagens internacionais patrocinadas por empresas de segurança, potenciais fornecedoras da polícia.
Segundo a reportagem apurou, as investigações apontam que excursões de grupos de oficiais para o exterior pagas por empresas, sob a justificativa de conhecer novas tecnologias, são uma prática consolidada e recorrente na PM.
Como a Folha revelou em novembro passado, uma das viagens foi a do coronel Benedito Roberto Meira, então comandante-geral da PM, a Orlando, na Flórida (EUA).
Meira viajou com outros três oficiais, no início de novembro, para participar de uma feira sobre segurança —o coronel passou para a reserva em janeiro deste ano.
As despesas foram bancadas pela Motorola, uma das principais fornecedoras de equipamentos de comunicação da polícia, que havia vencido uma licitação de R$ 9,9 milhões uma semana antes.
À época, Meira afirmou que viagens bancadas por empresas eram comuns. “O que nós fizemos foi visando o interesse público e o interesse da PM de buscar novas tecnologias”, disse.
O inquérito que apura suposta improbidade administrativa nessa e em ao menos outras cinco viagens, realizadas em 2013 e 2014, foi instaurado pelo promotor Marcelo Milani, da Promotoria do Patrimônio Público e Social, após denúncia anônima.
Silva Junior/Folhapress |
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Benedito Meira, ex-comandante da Polícia Militar |
As supostas irregularidades desse tipo de viagem enquadram-se no artigo da Lei de Improbidade Administrativa que trata do recebimento, por parte de agente público, de vantagens de quem tenha algum interesse na ação do servidor agraciado. As punições previstas vão de multa a perda do cargo público.
Além de Meira, já foram ouvidos pelo Ministério Público o coronel da reserva Cesar Augusto Luciano Franco Morelli e o coronel Francisco Alberto Aires Mesquita, atual subcomandante-geral da PM.
Mesquita disse à Promotoria ter passado oito dias no Estado de New Hampshire (EUA), em dezembro de 2013, patrocinado pela fábrica de armas Sig Sauer, cuja sede teria ido visitar. Na viagem, ele teria sido acompanhado por outros cinco policiais, quatro oficiais e um soldado.
Pela legislação atual, as polícias brasileiras só podem adquirir armamento da indústria nacional, salvo mediante autorização do Exército.
Já Morelli mencionou ter viajado a Israel, custeado por três empresas de veículos militares, à França, patrocinado por uma empresa de segurança, e à África do Sul, bancado por uma fábrica de veículos blindados.
No último destino, ele teria sido acompanhado de mais cinco oficiais.
Outros oficiais da PM, suspeitos de terem participado de caravanas custeadas por empresas de segurança, devem ser ouvidos pela Promotoria nos próximos dias.
OUTRO LADO
A Secretaria da Segurança Pública afirmou, em nota, que os oficiais “viajaram a serviço, sempre com autorizações da Casa Civil, que foram publicadas no ‘Diário Oficial'”.
Segundo declaração do governador Geraldo Alckmin (PSDB), porém, viagens de agentes públicos devem ser pagas pelo Estado. A declaração do tucano veio após a revelação, em novembro passado, de que o ex-comandante-geral, coronel Benedito Meira, havia ido a Orlando patrocinado pela Motorola.
“Sempre que alguém for fazer viagem de trabalho, estudo, que agregue conhecimento, sempre o governo deve arcar com os custos disso”, afirmou Alckmin na ocasião.
Novamente questionada, a secretaria informou que, a partir dessa determinação, todas as viagens têm de ser custeadas pelo poder público.
A Motorola Solutions afirmou que “a empresa convida oficiais de segurança para conferências da indústria, a fim de conhecer produtos e tecnologias inovadoras […], em conformidade com a legislação local e internacional”.
A Folha não localizou a fabricante de armas Sig Sauer.
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ENTENDA O CASO
Investigação
Após denúncia anônima, Promotoria do Patrimônio Público e Social instaurou inquérito para apurar suposta improbidade administrativa de oficiais da PM que tiveram despesas de viagens internacionais pagas por empresas de segurança
Destinos
Foram identificadas ao menos cinco viagens para Flórida (EUA), New Hampshire (EUA), França, África do Sul e Israel. Três oficiais já ouvidos pelo Ministério Público disseram ter viajado com outros dez policiais
O que pode ocorrer
Se forem processados e condenados, os PMs poderão sofrer as sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, como perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa.
Transcrito da Folha de São Paulo ; nos termos do artigo 46 da Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998.