Promotores elevam vencimentos com ”bolsa-aluguel” e estouram teto salarial 45

Documentos inéditos revelam que em pelo menos 5 Estados o Ministério Público dá auxílio-moradia a todos membros da instituição; muitos recebem mais de R$ 26,7 mil, limite no funcionalismo, desrespeitando regra que deveriam fiscalizar

08 de maio de 2011 | 0h 00
Felipe Recondo e Leandro Colon – O Estado de S.Paulo

Promotores e procuradores que têm por dever fiscalizar o cumprimento das leis estão se valendo de legislação que eles mesmos criaram – e só eles podem mudar – para engordar os próprios salários. Documentos inéditos obtidos pelo Estado revelam que pelo menos 950 promotores e procuradores do País recebem mensalmente uma espécie de “bolsa-aluguel”. A regalia é paga até para promotores que já estão aposentados.

 
Andre Dusek/AE
Custo. Conselho Nacional do MP decidiu investigar o gasto de pelo menos R$ 40 mi por ano

 

O auxílio-moradia deveria ser temporário, mas é pago a todos os membros do Ministério Público de pelo menos cinco Estados: Amapá, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Santa Catarina. No total, são gastos, no mínimo, R$ 40 milhões por ano com essa despesa dos promotores, cujos salários vão de R$ 15 mil a R$ 24 mil.

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) abriu investigação em fevereiro. Passados dois meses, os dados coletados confirmaram as suspeitas: os papéis mostram que promotores incorporam como remuneração o auxílio-moradia, de R$ 2 mil a R$ 4,8 mil, e, em muitos casos, ultrapassam o teto constitucional de R$ 26,7 mil.

Em Mato Grosso do Sul, os 191 promotores e procuradores recebem salários de R$ 18 mil a R$ 24 mil. Todos ganham mais 20%, entre R$ 3,6 mil a R$ 4,8 mil, como auxílio-moradia. O mesmo ocorre com os cerca de 200 integrantes do MP do Mato Grosso. Em Rondônia, os 120 promotores e procuradores, cujos salários vão de R$ 19 mil a R$ 24 mil, levam no contracheque a “bolsa-aluguel” de R$ 3,1 mil a R$ 4,8 mil.

A documentação revela que os oito promotores inativos no Amapá ganham, além da aposentadoria, o auxílio-moradia. Os demais 75 membros que estão na ativa também têm o benefício.

Transitório. A Constituição estabelece, desde texto aprovado há 13 anos, que promotores não podem receber nada além da parcela única do subsídio mensal. É um salário e mais nada. Uma resolução do Conselho Nacional do MP admite o auxílio-moradia apenas em caráter indenizatório, para ressarcir despesas no exercício da função quando o promotor é transferido de comarca. É, portanto, temporário.

Os documentos do CNMP revelam, no entanto, que a “bolsa-aluguel” virou um dinheiro fixo para os membros do Ministério Público. Até o corregedor do Conselho Nacional, Sandro Neis, recebe a ajuda. Promotor de Justiça em Florianópolis, ele admitiu ao Estado que ganha R$ 2 mil mensais (10% do salário de R$ 20 mil) para moradia na capital de Santa Catarina.

A manobra dos Ministérios Públicos Estaduais é semelhante à brecha que permitiu pensão vitalícia a ex-governadores, benefício que vem sendo contestado no Supremo Tribunal Federal.

“É surreal”. Por meio de leis estaduais, os promotores e procuradores criaram auxílio-moradia sob a alegação de que o dinheiro é necessário em lugares onde não há residências oficiais, algo que praticamente já não existe. Ou seja, querem que o MP construa ou compre imóvel para eles – caso contrário, exigem o dinheiro extra. Foi o que defendeu o presidente da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Norte, Rinaldo Reis Lima, na sessão do Conselho Nacional de 23 de fevereiro, quando a apuração foi aberta.

Naquele dia, Lima pediu que os promotores potiguares recebessem o benefício. “Por que só no Rio Grande do Norte não pode ser pago a todos os membros e nos outros Estados pode?”, disse. O áudio da sessão revela a reação dos membros do CNMP. “É surreal. Imaginou se a União tiver que construir residências oficiais para os membros da magistratura e do Ministério Público num País de tantas carências?”, disse o conselheiro Achiles Siquara.

“É um absurdo que possamos permitir essa prática”, reforçou o conselheiro Almino Afonso, autor do pedido de investigação. “Há uma burla evidente no ordenamento jurídico sobre o teto.”

O episódio incomodou o corregedor Sandro Neis. Durante a sessão, ele reagiu e defendeu que não só os promotores estaduais sejam investigados, mas também os federais. “Se for para tratar de auxílio-moradia, dá a impressão que esse é só do MP estadual. E não é. Também tem auxílio sendo pago para o MP da União”, afirmou. Na sexta-feira, o corregedor não quis entrar no mérito sobre a legalidade dos pagamentos. “Isso será discutido no plenário do CNMP.”

Por que uma corporação é tratada diferente da outra? 54

Movimento Mães de Maio defende fim de
registro de “resistência seguida de morte”

Terminologia usada por policiais não existe legalmente, afirmam especialistas

Luciana Sarmento, do R7 
Werther Santana/AEWerther Santana/AE

Dileone Lacerda de Aquino, de 24 anos, foi morto supostamente por policiais militares em cemitério de Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo

 
 

A denúncia do assassinato de um jovem de 24 anos supostamente cometido por policiais militares em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, no mês passado fez com que o Governo de São Paulo determinasse que casos desse tipo passem a ser investigados pelo DHPP(Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), e não mais pelos distritos policiais.

 

Mães de Maio reclamam de impunidade

Embora a polícia tenha afirmado que a mudança irá garantir agilidade e maior eficiência nas investigações, para o Movimento Mães de Maio e para alguns especialistas ouvidos pelo R7, a troca não é suficiente para diminuir o número de mortes em ações policiais. Segundo Débora Maria da Silva, líder do movimento, é preciso extinguir esse tipo de registro.

– Não adianta mandar o DHPP investigar. Tem que banir esse modelo de fazer o boletim de ocorrência como resistência seguida de morte e registrar como homicídio.

Débora, que perdeu o filho em 2006 durante a onda de ataques cometidos pela quadrilha que age a partir dos presídios do Estado, afirma que houve uma “banalização” do registro.

– Matam o ser humano como se fosse bicho. É um modelo que a polícia criou para legitimar o homicídio. Foi preciso acontecer essa farsa no cemitério [de Ferraz de Vasconcelos] para o governo ver com mais cuidado a resistência seguida de morte.

Inconstitucional

Para o advogado especialista em segurança pública e membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, mais do que ineficiente, o registro de resistência seguida de morte é inconstitucional. 

– Essa definição não existe nem no Código Penal. É um termo usado para favorecer os policiais. Na verdade, é um homicídio. Se ocorreu, ou não, em legítima defesa, vai se comprovar depois. Por que quando uma pessoa comum comete um assassinato – e, às vezes, está atuando em legítima defesa – é registrado como homicídio? 

Assim como Débora, Alves defende que assassinatos cometidos por policiais passem a ser registrados como homicídios. Segundo o especialista, que se refere aos DPs como “prontos-socorros criminais”, a mudança da investigação para o DHHP foi “bastante positiva”, uma vez que a rotina das delegacias “acaba dificultando a investigação”. No entanto, ele afirma que outras alterações ainda são necessárias.

– É incompreensível que as corporações investiguem seus próprios membros, favorecendo a impunidade. Assim como a Corregedoria da Polícia Civil passou a ser subordinada ao gabinete do secretário de Segurança, a Corregedoria da Polícia Militar também deveria. Até para cumprir o tratamento igual. Por que uma corporação é tratada diferente da outra? 

Impunidade 

Já para o advogado criminalista Leonardo Pantaleão, ao registrar “resistência seguida de morte” em boletins de ocorrência de eventos como o ocorrido em Ferraz de Vasconcelos, corre-se o risco de o criminoso ficar impune.

– É uma tendência que, sem dúvida nenhuma, pode ter um reflexo negativo porque já há uma orientação definida por uma autoridade policial a respeito daquilo que aconteceu. Lá no final, quem vai acabar condenando pode ser uma pessoa leiga, que é o jurado. Isso pode gerar impacto no entendimento do jurado sobre o que aconteceu.

Uma das soluções possíveis para esclarecer esse tipo de ocorrência, segundo Pantaleão, seria a SSP (Secretaria da Segurança Pública) editar uma portaria que determine a proibição do uso da terminologia. Para Alves, o assunto deve ser discutido no Conselho Nacional de Segurança e no Ministério da Justiça.

Em entrevista coletiva, o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Alvaro Batista Camilo, afirmou que casos de resistência seguida de morte têm diminuído nos últimos anos em São Paulo. Segundo ele, no primeiro trimestre de 2010, foram registradas 146 mortes em ações da PM. No mesmo período de 2011, esse número caiu para 108. O número representa 17% do total de feridos nessas ações.

Outro lado

A Secretaria da Segurança Pública informou que “a expressão ‘resistência seguida de morte’ é apenas uma terminologia que em nada prejudica a investigação do que houve no evento criminoso”. A assessoria de imprensa do órgão ressaltou ainda que “sobre o argumento de que tal expressão poderia ser utilizada para ‘acobertar’ homicídios dolosos, atenuando-os, ressaltamos que o DHPP investigará toda ocorrência de resistência seguida de morte”. 

Procurada pelo R7, a Polícia Militar  não se pronunciou sobre o assunto até a publicação desta reportagem.