UM CASO CURIOSO DE CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS SEM APRECIAÇÃO DE DOCUMENTO…OFÍCIO SUBSCRITO PELO PACIENTE QUE FUNDAMENTOU A INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO E POSTERIOR DENÚNCIA RECEBIDA PELO JUDICIÁRIO PAULISTA

Fernandinho Beira-Mar e Leonardo Mendonça discutem o preço de eventuais defensores:

Beira-Mar – Então, não, ele vai se unir, pode encontrar com o Vicente. Ou tu acha que o Vicente ou a doutora?
Leonardo – Não, melhor a doutora… pra ele o que que tem, certo?
Beira-Mar – Hum hum.
Leonardo – Tem que aproveitar. Deixa te falar uma coisa: o ano que vem é o ano que troca todo mundo, entendeu? Então ele falou que é a grande chance por isso, certo?
Beira-Mar – Mas como é que vai poder resolver? Esse negócio tá na minha cidade ainda.
Leonardo – Não, vão pegar e levar tudo pro centro (Brasília, segundo a PF).
Beira-Mar –Ah, entendi. Olha só! O doutor Vicente falou o seguinte: que resolve, mas, antes de dois anos, não, por causa da imprensa. Então é uma coisa séria o cara dizer que resolve e depois me deixar a ver navios.
Leonardo – E ele falou… esse doutor que falou contigo pediu o quê?
Beira-Mar – Um verde (US$ 1 milhão, segundo o relatório da polícia) pra resolver tudo. Cinqüenta por cento na mão e 50% no dia que resolver, entendeu?
Leonardo – Hum.
Beira-Mar – E a despesa do advogado eu pagaria a Carla (uma das advogadas de Beira-Mar). A Carla, eu ia dar a ele 100, 100 verde (US$ 100 mil).
Leonardo – Você é tão inteligente ou mais inteligente que eu. Então, cabe a você decidir. Agora, do outro lado, vamos supor… dar uma força…
Beira-Mar – Deixa eu te fazer uma pergunta: não é o mesmo esquema do Vicente não, né?
Leonardo – Ué! Eu não sei qual é esse que você tá falando, bicho.
Beira-Mar – O Cernichiaro, Vicente Cernichiaro?
Leonardo – Hã?
Beira-Mar – Do Vicente Cernichiaro? O ex-ministro?
Leonardo – Ah! Não, não, não. É… eu te digo o seguinte: é acima. ( o outro VICENTE…NADA LEAL
Beira-Mar – Então tá bom. Vamos mudar de assunto então. E amanhã eu aguardo o cara aqui.

 

PROCESSO
RHC 4977 UF: SP REGISTRO: 1995/0052762-6
    RECURSO EM HABEAS CORPUS
AUTUAÇÃO 02/10/1995
RECORRENTEp VICENTE GRECO FILHO – 
RECORRIDO TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
RELATOR(A) Min. VICENTE LEAL – SEXTA TURMA
ASSUNTO Penal – Crimes contra a Administração Pública ( art. 312 a 359 – H )
FASE ATUAL 27/02/1996
PACIENTE    ANDRÉ MAXIMILIANO MORON MACHADO 

 

FASES

27/02/1996  –  12:48  –  PROCESSO BAIXADO AO TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL DE SAO PAULO/SP MALOTE 14152
18/12/1995  –  14:05  –  ACORDÃO PUBLICADO NO DIARIO DE JUSTIÇA DE 18.12.95
30/10/1995  –  18:00  –  RESULTADO DE JULGAMENTO : A TURMA, POR UNANIMIDADE, DEU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO SR. MINISTRO RELATOR.
16/10/1995  –  17:13  –  CONCLUSAO AO MINISTRO RELATOR COM PARECER
10/10/1995  –  18:20  –  VISTA AO MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
06/10/1995  –  17:00  –  RHC 00004977 ( 95/0052762-6 ) DISTRIBUIDO AUTOMATICAMENTE EM 06/10/95 – SEXTA TURMA MINISTRO VICENTE LEAL, ADHEMAR MACIEL, WILIAN PATTERSON, LUIS VICENTE CHERNICCHIARO, ANSELMO SANTIAGO
 
 STJ: Escárnio à Nação                                                                                                                                        Mauro Chaves

Deixemos de lado, por enquanto,  a ridícula teoria conspiratória (do ministro da Justiça), que apenas banalizou a discussão sobre o “controle externo” (no caso, do Ministério Público) e tratemos de fato mais grave, que,  na fumaça do Waldogate (e do Santorogate) passou despercebido da mídia.

Quem tinha dúvidas sobre a necessidade premente, inadiável, de estabelecer-se o controle externo do Judiciário, para que a Justiça neste País não se torne definitivamente desmoralizada, com todas as desastrosas conseqüências institucionais – e de  confiabilidade externa  – que isso implica, o arquivamento, nesta quarta feira,  do processo administrativo  movido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra um de seus integrantes, o ministro Vicente Leal, em razão de sua “aposentadoria voluntária”, deve,  de uma vez  por todas, dirimi-las. Pois o STJ exacerbou seu corporativismo ao ponto de torná-lo um verdadeiro escárnio à Nação. E o tribunal escondeu da população (pelo ominoso “segredo de justiça”) – com a opinião contrária de apenas seis de seus honrados ministros – o teor do relatório que justificou esse abstruso arquivamento.

Contra Vicente Leal pesam gravíssimas acusações,  com base em  gravações realizadas pela Polícia Federal – devidamente autorizadas, judicialmente – que o envolvem em um esquema de venda de sentenças judiciais a integrantes da quadrilha do narcotraficante Leonardo Dias de Mendonça, dentro das operações sob cobertura do deputado Pinheiro Landim. Por deliberação do tribunal, o ministro fora afastado de suas funções, enquanto perdurassem as investigações realizadas por uma comissão interna, composta por três de seus colegas.

Se houvesse, por parte da mais importante Corte de Justiça infra – constitucional do País, um mínimo de respeito pela opinião pública,   não seriam interrompidas aquelas investigações, em razão do pedido de aposentadoria do investigado – o que o permitiu livrar-se delas e escapar sem punição administrativa alguma. Ou, pelo menos, se permitiria que a sociedade brasileira soubesse se na cúpula do Poder Judiciário ocorreu ou não a prática de crimes tão abjetos, como é o caso do favorecimento judicial (mediante torpe remuneração) àquelas pessoas que mais destroem a nossa juventude, por meio do comércio de drogas.

É para evitar aberrações desse tipo – a impunidade garantida pela aposentadoria – que o Estatuto do Servidor Público impede de aposentar-se o funcionário que responde a processo  administrativo. Mas o STJ considerou que os magistrados estão excluídos dessa  mínima exigência ética, pelo fato de a Lei Orgânica da Magistratura ter como punições máximas a disponibilidade ou a aposentadoria compulsória (ou seja, em ambos os casos a “pesada” punição de continuar ganhando, sem trabalhar). Então, se estas são as penas, que resultam em simples afastamento remunerado – equivalente a uma aposentadoria voluntária, como a requerida pelo investigado  –
para que concluir as investigações? Se assim é, eis aí uma interpretação imoral, de uma lei imoral, mantida (ou não modificada) graças a um lobismo imoral.

O ministro Vicente Leal, em nota aos meios de comunicação, colocando-se como vítima (dizendo: “Há quase um ano estou submetido a um estado de coma moral”), pondo em dúvida a isenção de julgamento de seus pares (ao escrever: “Não posso postar-me com credulidade na expectativa de um julgamento técnico por uma instância administrativa. Afinal, essa mesma  instância já me negou  a oportunidade de produzir provas relevantes”),  afirma que “concluiu-se a investigação e nada, absolutamente nada, foi provado”. Ora, se o tribunal (ao qual pertence e de cujo julgamento técnico descrê) “concluiu”, de fato, a investigação, e “nada, absolutamente nada, foi provado” por que então o “segredo de justiça”, em relação a essas conclusões? Não seria do máximo interesse –  do STJ, do ministro investigado e da sociedade – a plena publicidade que se desse a essa “inocência”, pois só assim o cidadão brasileiro poderia se convencer de que  um ministro de tribunal superior, neste País, jamais teria cometido o inominável crime de vender sentenças para traficantes de entorpecentes?

Agora, atente-se para o timing do  episódio: O ministro Vicente Leal requereu sua aposentadoria na terça feira (9/3) e já na quinta (11/3) o vice-presidente do STJ, no exercício da Presidência, ministro Edson Vidigal, se apressou em assinar e levar, pessoalmente, o respectivo decreto ao ministro da Justiça, Márcio Thomás Bastos, para este ser encaminhado “o mais rápido possível” ao presidente Lula. Por que tanta pressa? Já se viu alguma aposentadoria, neste País, ser despachada com tal  rapidez?…

Na questão do controle externo do Poder Judiciário, a ser exercido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ),  onde além de magistrados há a participação de membros do Ministério Público, de representantes da sociedade civil – indicados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado – e da OAB, discute-se se tal  órgão poderá ou não decidir pela perda de cargo dos juizes corruptos. O acachapante corporativismo do STJ torna óbvia  a necessidade de conceder-se ao órgão de controle essa  atribuição. E é de grande interesse, para a  própria independência do Poder Judiciário, a  instituição de um controle externo no âmbito administrativo, antes que se chegue à conclusão (por episódios como esse) de que esse controle também deva se dar no âmbito jurisdicional.

Mauro Chaves é jornalista, advogado (PUC-SP), administrador de empresas (pós-graduado pela FGV), escritor, produtor cultural e pintor

 

https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/ita/abreDocumento.jsp?num_registro=199500527626&dt_publicacao=18-12-1995&cod_tipo_documento=