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Rodrigo Capitani ( * ) O porte de arma desmuniciada e de munição não é crime. E a razão é lógica: não há qualquer potencialidade lesiva em uma arma ou munição nessas condições. No julgamento do RHC 81057/SP (Informativo 349), cuja relatoria coube ao Min. Sepúlveda Pertence, no qual se discutiu a matéria, deliberou-se que porte de arma sem munição não apresenta potencialidade lesiva, motivo pelo qual não configura crime. Consta no voto, em parte destinada à análise dos princípios da lesividade e da potencialidade: “Na figura criminal cogitada, os princípios bastam, de logo, para elidir a incriminação do porte de arma de fogo inidônea para a produção de disparos: aqui, falta à incriminação da conduta o objeto material do tipo.” “Estou – com os doutrinadores cujas premissas endossei – em que, nessa hipótese, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio da disponibilidade. Se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo. Ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal – isto é, como artefato idôneo a produzir disparo – e, por isso, não se realiza a figura típica. Entretanto, em recente decisão da Primeira Turma do STF (HC 81.057): “Para a configuração do crime de porte ilegal de arma de fogo não importa se a arma está municiada ou, ainda, se apresenta regular funcionamento”. Essa decisão, segue a senda do perigo abstrato, que ignora o Direito penal da ofensividade e levisidade. Consoante a decisão, a configuração da materialidade do delito de porte ilegal de arma de fogo é prescindível de exame pericial. Ora, isso é um verdadeiro retrocesso, pois a regra geral, quando se trata de arma de fogo, é a realização do exame pericial para provar a capacidade lesiva da arma. Aliás, o que a lei pune é exatamente essa idoneidade lesiva, que deve ser concreta. Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes (Súmula do STF sobre porte de arma desmuniciada.http://www.oquintopoder.com.br/informativo/ed29_IV.php Acesso em 22.05.2009). “O crime de posse ou porte de arma ilegal, em síntese, só se configura quando a conduta do agente cria um risco proibido relevante (que constitui exigência da teoria da imputação objetiva). Esse risco só acontece quando presentes duas categorias: danosidade real do objeto + disponibilidade,reveladora de uma conduta dotada de periculosidade. Somente quando as duas órbitas da conduta penalmente relevante (uma, material, a da arma carregada, e outra jurídica, a da disponibilidade desse objeto) se encontram é que surge a ofensividade típica. Nos chamados “crimes de posse” é fundamental constatar a idoneidade do objeto possuído. Arma de brinquedo, arma desmuniciada e o capim seco (que não é maconha nem está dotado do THC) expressam exemplos de inidoneidade do objeto para o fim de sua punição autônoma.” Qual é o bem jurídico protegido no art. 14? Bens individuais (vida, integridade física etc.) e supra-individuais (incolumidade pública). Esse bem jurídico só pode ser afetado quando a conduta concreta o coloca em risco concreto. Arma desmuniciada, quebrada etc. não provoca risco concreto para ninguém. Por isso que não serve para a configuração do delito. Sabe-se que para a configuração do delito, indispensável perícia fidedigna na arma a fim de que se esclareça se objeto conta com potencialidade lesiva, dado essencial para a realização do tipo e para o sucesso da ação penal. Ademais, a criminalização de uma simples munição sem nenhuma arma de fogo é totalmente inadmissível, visto que não há qualquer perigo concreto no porte de uma munição. A decisão (HC 81.057 – STF) tornou o crime de porte de arma totalmente de perigo abstrato. Dessa forma, fere-se ferronhamente um dos mais basilares princípios norteadores do Direito Penal: o da ofensividade (nullum crime sine iniuria). Tal decisão, não merece prosperar, deve ser derrubada pelo antigo entendimento sobre o fato, visto que não se relaciona com o Direito penal da ofensividade e parte da presunção de que toda arma é potencialmente lesiva. Destarte, toda presunção, contra o réu, contraria a Constituição brasileira visto que ofende a dignidade humana. Não se pode olvidar que o Direito Penal é guiado pelo princípio da ofensividade do fato, segundo o qual não há crime sem ofensa a um bem jurídico (nullum crimen sine iniuria). Além disso, os crimes de perigo abstrato prescindem da comprovação da existência da situação em que se colocou em perigo o bem jurídico protegido, havendo, neste sentido, uma presunção juris et de jure. Sendo assim, só poderá ser punida conduta que resulte danosa a um bem jurídico penalmente tutelado ou que represente um perigo provável de dano a este bem. Por todo o exposto, percebe-se a incompatibilidade com a ordem constitucional hoje adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro qualquer decisão que parta da presunção de que todas as armas são (por si sós) potencialmente ofensivas. Devemos perceber, não obstante, que a criminalização (perigo abstrato) não é a solução para os problemas da nossa sociedade. BIBLIOGRAFIA: Acórdão. Porte ilegal de arma sem munição. STF, RHC 81057-São Paulo, informativo do STF n. 385. Material da 1ª aula da Disciplina Princípios constitucionais penais e teoria constitucionalista do delito, ministrada no Curso de Especialização TeleVirtual em Ciências Penais – UNIDERP – REDE LFG -IPAN. BITENCOURT, Cezar Roberto; MUÑOZ Conde, Francisco. Teoria geral do delito. São Paulo:Saraiva, 2000. BRUNO, Aníbal.Direitopenal.PG.4.ed.RiodeJaneiro:Forense,1984. GOMES, Luiz Flávio. Arma de fogo: voltou a ser crime de perigo abstrato?. Disponível em: http://www.lfg.com.br. Acesso em: 30 mar. 2009. Material da 1ª aula da Disciplina Princípios constitucionais penais e teoria constitucionalista do delito, ministrada no Curso de Especialização TeleVirtual em Ciências Penais – UNIDERP – REDE LFG – IPAN. GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no Direito Penal. São Paulo: RT, 2002. JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, v.1. São Paulo: Saraiva, 1998. MIRABETE, Júlio Frabbrini Manual de Direito Penal, v.1. São Paulo: Atlas, 2000.
* Rodrigo Capitani. Advogado. Pós-graduado em Ciências Penais. Pós-graduado em Direito Público. Pós-graduando em Direito Previdenciário. E-mail: rodrigocapitani@yahoo.com.br |
Tá bom, blá,blá,blá……
Traduzindo o escrito para quem tem o entendimento das coisas no nível da normalidade do dia a dia, gostaria de saber: pode ou não portar descarregada? É crime ou não? Caracas, é simples a pergunta e mais simples a resposta, não precisa de enrolação.
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Aí está o problema: De acordo com o texto, se a arma está desmuniciada, não pode causar dano algum e, assim, não há o crime de porte ilegal.
De acordo com julgados recentes, entretanto, inclusive do próprio STF, a “lesividade” da arma não está “apenas” no disparo ou na possibilidade de disparo, mas, sim, no temor que a mera existência de tal arma de fogo pode causar a terceiros.
Logo, hoje, consoante o STF, arma portada sem a documentação pertinente, municiada ou desmuniciada, configura o crime de porte ilegal.
Eu, por mim, ainda penso que cada caso deva ser analisado à luz de suas circunstâncias:
Um cidadão que é conduzido ao Distrito portando ilegalmente uma arma desmuniciada com a qual ele, minutos antes, estava, no meio da rua, exibindo-a a “meio mundo”, em meu entendimento, lesou a incolumidade pública e, creio, não seria abuso de autoridade autuá-lo pelo porte ilegal (afinal, havia nele o ânimo – dolo – de abalar a ordem púlica, de modo que sua prisão será freio à sua reincidência e será também resposta à comunidade-vítima, em atenção ao duplo caráter preventivo – genérico e específico – do Direito Penal).
Por outro lado, um cidadão que foi flagrado portando uma arma antiga e quebrada, apenas porque a havia transportado para mostrá-la a alguém, é fato, não quis lesar a ordem pública e nem o fez. Autuar tal cidadão por porte de arma ilegal seria uma violência, seria “matriculá-lo” no mundo do crime.
A lei estabelece a norma e a jurisprudência põe o parâmetro.
Acredito, porém, que o Direito se materialize em cada caso concreto. A norma e o prarâmetro não podem ser “camisas de força”, mas apenas elementos norteadores.
Ora, cabe ao operador do Direito efetivamente operá-lo e não “bater carimbo” pronto.
Por motivos desse porte, sem trocadilho, é que é imprescindível a polícia judiciária ter, à sua frente, autoridade policial dotada de conhecimentos jurídicos e de garantias para poder aplicar tais conhecimentos sem o espectro de ser administrativa e criminalmente punida, seja pelo abuso de autoridade, seja pela prevaricação.
Como se vê claramente, em vários exemplos, uma polícia judiciária mais valorizada, mais “judiciária” do ponto de vista técnico, é fundamental à garantia da segurança da sociedade e não só à segurança pública “stricto sensu”, mas, sobretudo, à segurança jurídica de cada cidadão.
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cê num pode porta não. se portá, vai preso. si for preso vai sê porcessado. si for condenado entra cum recursio alesgando a descisão e dai cê é absorvido, tendeu????
Continua sendo crime du mermo jeito, só que lá no final du processio, adispois que oce si *odeu e gagastô um dinherão com digosvado cê é absorvido.
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Palavras sábias do caipira…
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ok, mas se vc estiver com a arma descarregada e com 1 bala (projétil) no seu bolso, constitui crime da mesma forma se estivesse carregada.
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